Ilustração: Marco Jacobsen
Certa vez, em um programa de televisão, Luiz Gonzaga (1912 – 1989), o "Rei do Baião", foi entrevistado pelo próprio filho, Gonzaguinha (1945 – 1991).
A primeira pergunta que o rapaz fez para o pai foi a seguinte: "Como foi a sua infância?". A resposta do velho Lua, nascido e criado em Exu, no sertão de Pernambuco, foi fantástica: "Minha infância foi de menino pobre, mas não infeliz, porque eu creio que uma criança pobre, uma criança, enfim, dificilmente ela pode saber que é infeliz desde que tenha o carinho dos seus pais. E isso nunca me faltou em casa."
As palavras do artista trouxeram-me recordações de minha infância, que foi tão simples quanto feliz. Meu pai e minha mãe nunca me deixaram faltar carinho, o que não se confunde com mimos. Quando era preciso me passar um corretivo, meu pai não pensava duas vezes.
Lembro-me de uma ocasião em que ergui a voz para meu avô, numa festa de família. Ali mesmo, na frente de todos, meu pai proferiu um sermão ríspido e me fez pedir desculpas na hora pela falta de respeito. Daquele dia em diante, nunca mais desrespeitei os meus avós. E aprendi a gostar ainda mais deles.
Agora tenho uma filha. Que experiência fantástica. Não quero ser piegas, mas a Maria Eduarda mudou a minha vida. Passei os últimos anos numa correria desenfreada em busca de reconhecimento profissional e de outros valores menos nobres, até a chegada dela.
Antes eu ficava alegre quando alguém elogiava uma de minhas matérias. Hoje, minha felicidade é enorme quando ela olha para mim e sorri. Não há nada no mundo que se compare a um momento tão simples e singelo como esse. É claro que continuo preocupado e dedicado com a profissão, afinal o preço das fraldas não é dos mais atrativos. Mas, antes de bom jornalista, tenho que ser um bom pai.
Para isso, volto às minhas raízes. Tudo era tão simples quando eu era criança. Os muros eram baixos e cercas elétricas só existiam nas penitenciárias. Brincar na rua era a coisa mais normal do mundo e as nossas mães trocavam canecas de açúcar, sal e farinha por cima dos muros.
Dona Jolinda, uma de nossas vizinhas, sempre que fazia pães caseiros levava lá para casa um feito especialmente para mim.
Porém, minha filha vai encontrar um mundo de casas fortificadas, vizinhos que mal se cumprimentam nos elevadores, brinquedos eletrônicos e vida digitalizada.
Por isso, minha mulher e eu sabemos que não podemos deixar que falte a ela o carinho, com a esperança de que um dia a Maria Eduarda possa declarar que, a exemplo de um menino lá de Exu dos anos 1910, ela teve uma infância feliz.
Texto publicado originalmente na coluna "Dedo de Prosa", do caderno Folha Rural da Folha de Londrina de 31/05/2014.