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A coerência de um juiz

20 mai 2014 às 12:34

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki reconsiderou sua decisão de mandar soltar 11 presos pela Polícia Federal na Operação Lava Jato.

Zavascki mudou de ideia após ler os argumentos do juiz federal Sérgio Moro, da 13a Vara Federal em Curitiba.


O vasto conhecimento jurídico e a coerência de Moro desmontaram os argumentos de Zavascki, ao qual devemos dar o mérito de saber voltar atrás.


Em setembro de 2009, o repórter fotográfico Celso Pacheco e eu passamos um dia dentro da Penintenciária Federal de Catanduvas, aqui no Paraná. Fizemos uma reportagem para a Folha de Londrina mostrando como era a vida atrás das grades num presídio que "hospedava" alguns dos criminosos mais perigosos do País. Chegamos a trocar palavras com o traficante carioca Marcinho VP.


Porém, para aquela matéria a entrevista que mais gostei de fazer foi por telefone, com o juiz Sérgio Moro, na época lotado em uma vara criminal e corregedor do presídio de Catanduvas.


Ele já tinha a experiência de ter atuado no caso Banestado e me deu declarações muito coerentes sobre crimes do colarinho branco, tráfico de drogas e as falhas do nosso Judiciário.


Resgatei a matéria com Moro de meu arquivo pessoal. Publico os principais trechos abaixo. Repare que, apesar de já fazer cinco anos que o entrevistei, as palavras são atualíssimas.


Entre outras coisas, ele disse: "Um crime de colarinho branco provoca mais danos patrimoniais do que os causados por assaltantes comuns. No entanto, esses criminosos do colarinho branco têm um tratamento leniente por parte da Justiça."


Segue o texto de arquivo:


'Presídios federais não foram concebidos para cumprimento integral de penas'



O magistrado Sérgio Fernando Moro ressalta que a unidade cumpre o papel de desafogar penitenciárias estaduais


Publicada na Folha de Londrina em 13/09/2009


Ainda jovem, o juiz federal Sérgio Fernando Moro, da 2a Vara Criminal de Curitiba, está acostumado a trabalhar em processos de grande repercussão. Ele foi o responsável pelo caso Banestado e, no ano passado, condenou o traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, a 29 anos e oito meses de prisão por crimes como lavagem de dinheiro e tráfico de drogas, cometidos de dentro das carceragens da Superintendência da Polícia Federal, em Brasília, e das penitenciárias federais de Catanduvas, no Paraná, e Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. No mesmo processo foram condenados o filho e a mulher de Beira-Mar e outras 11 pessoas.


Atualmente, Sérgio Fernando Moro é o juiz corregedor da Penitenciária Federal de Catanduvas e faz parte de um colegiado de seis magistrados que responde pelos processos de execução penal dos presos na unidade de segurança máxima.


Discreto, ele prefere não ser fotografado e não responder a questões que envolvam seus dados pessoais, como idade e local de nascimento. Nesta entrevista exclusiva à FOLHA, Moro fala sobre a penitenciária federal e a incumbência de cuidar dos processos de detentos como Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, acusado de matar o jornalista Tim Lopes.


A Penitenciária Federal de Catanduvas está funcionando há mais de três anos. Como o senhor avalia o funcionamento da unidade até aqui?


As penitenciárias federais - além de Catanduvas existem outras três em funcionamento - foram criadas com o objetivo específico de funcionar como uma válvula de escape para os presídios estaduais, que estavam sofrendo bastante com superlotações, rebeliões e atos de indisciplina grave. Dessa forma, o detento de alta periculosidade ou com histórico grave de indisciplina acaba sendo o preso apropriado para as penitenciárias federais. Com a transferência de detentos que estavam nos estados para as unidades federais, a expectativa era de que a situação melhorasse. As estatísticas indicam que, de fato, os problemas diminuíram nos presídios estaduais.


Os juízes do colegiado sentem-se intimidados por cuidarem dos processos de presos reconhecidamente de alta periculosidade?


A criação do colegiado tem por objetivo diminuir essa excessiva personalização de um juiz. Porém, quando tudo é feito com profissionalismo, o risco diminui muito, tanto que não existem registros de ameaças ou de atentados contra juízes desde a criação do presídio. Mas sabemos que sempre existe uma possibilidade.


Recentemente o senhor reclamou sobre o excesso de recursos que existem no sistema judiciário brasileiro em relação aos crimes de colarinho branco. Quando o assunto é tráfico de drogas e crimes violentos, o excesso de recursos também atrapalha?


O problema do excesso de recursos é generalizado e acaba afetando, de certa maneira, a eficácia da Justiça em relação a todos os tipos de crimes. Entretanto, em relação ao tráfico de drogas, a Justiça normalmente é mais rigorosa, então o acusado acaba respondendo ao processo preso. Porém, a demora da Justiça tem o inconveniente, muitas vezes, de implicar na prisão temporária de um inocente. O ideal seria que a Justiça brasileira sofresse reformas profundas para ser menos morosa.


Por que a Justiça é mais rigorosa no caso de traficantes e menos rigorosa no caso de crimes do colarinho branco?

Acho que a melhor pergunta seria: por que a Justiça é tão pouco rigorosa em casos de crimes do colarinho branco? Esse tipo de crime tem consequências danosas, que transcendem a prática de outros crimes. Um crime de colarinho branco provoca mais danos patrimoniais do que os causados por assaltantes comuns. No entanto, esses criminosos do colarinho branco têm um tratamento leniente por parte da Justiça. É um problema cultural que tem que ser vencido pela sociedade brasileira.


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