DATA VENIA

Rasgar papel moeda é crime ou apenas um ato de loucura?

02 dez 2011 às 18:00

Outro dia uma determinada pessoa, durante a lavratura de um Auto de Prisão
em Flagrante meteu a mão no bolso, retirou uma cédula de R$ 100 da carteira e
rasgou. O fato chamou a atenção de várias pessoas. Algumas diziam que o
cidadão era louco, outras diziam, sem muita base, que essa atitude era
considerada criminosa.


Se considerada louca, após exame de insanidade mental, certamente a
culpabilidade estaria afastada, por ausência de um dos seus elementos — a
imputabilidade. A capacidade de entendimento e de autodeterminação é
necessária para imposição de pena, num juízo de reprovabilidade ou
censurabilidade que alguém que tenha praticado um fato típico e ilícito.


Constatada a inimputabilidade por doença mental, pelo critério biopsicológico,
deve o juiz absolver o autor de um injusto penal, e logo em seguida aplicar
medida de segurança, seja tratamento ambulatorial ou internação em hospital
psiquiátrico, tudo conforme estudo nos artigos 26 e 96 do Código Penal.


Considerando que a aplicação de medida se segurança também passa pelo crivo
do princípio da legalidade, é preciso que alguém tenha praticado um injusto
penal — conduta típica e ilícita. No caso do papel-moeda ou do dinheiro rasgado,
qual seria a conduta típica?


Inicialmente, o saudoso professor Nélson Hungria definia moeda como sendo o
valorímetro dos bens econômicos, o denominador comum a que se reduz o valor
das coisas úteis. No Brasil, algumas competências são definidas por leis. Assim,
cabe ao Conselho Monetário Nacional estabelecer o valor interno da moeda, bem
como autorizar as emissões de papel-moeda.


Compete ao Banco Central emitir papel-moeda e moeda metálica, conforme
autorização outorgada pelo Conselho Monetário Nacional. Noutro sentido, cabe à
Casa da Moeda, com exclusividade, a fabricação de moeda metálica e papel-
moeda.


A legislação que trata do assunto é bem esparsa. A Constituição Federal de 1988
regulamenta o assunto de moeda nos artigos 21, VII, 22, VI, e artigo 164 e
pelas leis 4.595/64. 4.511/64 e 5.895/73.


O Código Penal, em seu artigo 289 e SS protege a fé pública, e logo neste
primeiro dispositivo consagra o tipo penal de moeda falsa, justamente por ser
signatário da Convenção Internacional para a Repressão da Moeda Falsa
(Decreto 3.074/38).


Existem outras figuras típicas relacionadas. Tendo em vista a obrigatoriedade do
recebimento de moeda em curso legal no país, deparamos com a conduta
contravencional prevista no artigo 43 do Decreto-Lei 3688/41, in verbis: "recusar-
se a receber pelo seu valor, moeda de curso legal do país: pena — multa".


Ainda nesse mesmo sentido o artigo 44 da LCP, define a conduta de quem
"usar, como propaganda, de impresso ou objeto que pessoa inexperiente ou
rústica possa confundir com moeda", também com previsão de pena de multa.
Existem ainda algumas condutas contra a ordem financeira, econômica,
tributária, previstas na Lei 8.137/90 e outras normas que protegem o sistema
financeiro.


Mas e a conduta de rasgar a moeda, onde está? Seria crime de lesa-pátria?
Seria burrice, tolice, fato atípico, economia popular?


A meu sentir, a moeda pertence à União e o seu valor intrínseco ao particular,
nos exatos termos dos artigos 98 e 99 do Novo Código Civil. Assim, se a própria
pessoa rasga, suja, destrói, inutiliza, papel-moeda ou metálica,
ainda que seja de sua propriedade estará configurado o crime de dano qualificado,
previsto no artigo 163, parágrafo único, inciso III, do Código Penal Brasileiro.


Assim, quem rasga dinheiro, comete crime contra o patrimônio da União, pois
logo estará destruindo coisa alheia móvel, devendo ser o comportamento
doloso, dinheiro como sendo o bem material, o patrimônio o objeto jurídico.
Trata-se de crime comum, material, de forma livre, comissivo, instantâneo, de
dano, unissubjetivo, plurissubsistente.



Por Jéferson Botelho, que é delegado de Polícia em Minas Gerais, doutorando em
Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Buenos Aires e professor universitário.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 22 de outubro de 2008


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