A alta nos custos da energia gerada pelo acionamento de usinas térmicas é mais uma má notícia para as montadoras, que enfrentam problemas com a falta de peças e os seguidos reajustes nos preços dos insumos.
A redução de consumo nos últimos meses -devido ao grande número de trabalhadores de áreas administrativas que seguem em home office em meio à pandemia de Covid-19-, tende a ser suplantada pelas mudanças tarifárias.
"Nosso setor já vem sofrendo há mais de um ano o impacto dos aumentos de custos de insumos como aço, alumínio, plásticos, fretes, além do câmbio e dos juros. Vemos o possível aumento do custo energia com preocupação", diz Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea (associação das montadoras).
Leia mais:
Vai viajar no fim do ano? Veja itens obrigatórios e essenciais para uma viagem tranquila
Motocicletas se multiplicam sob o olhar mais atento da política
Acidentes com motos sobrecarregam o SUS e levam a perda de mobilidade, amputação e dor crônica
Saiba como funcionam os pedágios free flow no Brasil após regulamentação
"O reajuste vai dificultar ainda mais o processo de retomada de vendas tanto da nossa indústria quanto dos outros setores da economia."
As fabricantes ainda irão calcular o impacto do aumento da energia nos custos de produção, mas são aguardados repasses para os preços dos veículos. Empresas que estão em meio a ciclos de investimentos serão afetadas, e entre elas está a VWCO (Volkswagen Caminhões e Ônibus).
A montadora aposta justamente na tendência do futuro: modelos elétricos.
Nesta terça (15), a fábrica localizada em Resende (RJ) deu início a produção do e-Delivery, primeiro caminhão nacional a colocar baterias no lugar dos tanques de diesel.
A empresa investiu cerca de R$ 150 milhões em seu complexo produtivo. Foi construída uma nova área dedicada exclusivamente à eletrificação, com infraestrutura de recarga.
"Avaliamos com cuidado o impacto de um aumento no custo de energia para o setor automotivo, o que pode refletir em toda a cadeia produtiva, desde a linha de produção aos fornecedores, chegando até o cliente final. A consequência será uma alta nos custos em geral, principalmente no aço, que já teve seus preços fortemente elevados", diz, em nota, a VWCO.
Repasses diante de qualquer oscilação no mercado têm sido a estratégia das montadoras desde a crise que teve início em 2014, diz Paulo Cardamone, sócio da consultoria Bright. Em busca de rentabilidade após seguidos anos operando no vermelho, as fabricantes modificam seu portfólio de produtos e se esforçam menos para segurar os preços de seus produtos.
Ao mesmo tempo, as empresas investem em soluções que aumentam a eficiência de suas linhas de produção, e a redução nos gastos com eletricidade faz parte desse processo.
Cardamone afirma que uma crise como a de agora teria um impacto muito maior na indústria automotiva se tivesse ocorrido há cinco anos. Hoje as grandes empresas buscam compensar o gasto de energia por meio de geração mais limpa.
As iniciativas fazem parte das estratégias ESG, índice aplicado para avaliar se uma empresa tem uma boa agenda ambiental, social e de governança.
A Honda está entre as montadoras que investiram na geração de energia limpa. A fabricante japonesa criou um parque eólico em Xangri-lá (RS), resultado de um investimento de R$ 100 milhões. A operação teve início em 2020.
"Em relação a medidas de redução de consumo, nossas montadoras já operam com sistemas modernos de uso racional de energia", diz o presidente da Anfavea.
Contudo as ações que geram redução na conta da luz não tornam as empresas imunes a crises no fornecimento, que atingem toda a cadeia produtiva.
Entre os fornecedores, os custos com energia serão mais um fator a pressionar os preços de componentes e de insumos. O gargalo no fornecimento de semicondutores é um exemplo dos problemas atuais, em que as montadoras precisam concorrer com fabricantes de smartphones, computadores e eletrodomésticos.
"Vamos ver alta de preços na cadeia de suprimentos até o fim do ano que vem, provavelmente, e serão repassados. É um problema global e a indústria automotiva, que sempre foi dura nas negociações de compra e agora está no fim da fila. O setor precisa reaprender a fazer política comercial", diz Cardamone.
"Há uma mudança conceitual, que aconteceu após a crise de 2014, 2015 e 2016. Quando o mercado começou a se recuperar, as montadoras passaram a vender menos e repassar os preços, sem ficar mais segurando os custos", explica o consultor.
O portfólio se volta para modelos de maior valor agregado e os aumentos se acumulam. De acordo com cálculo feito pela Bright, o tíquete médio dos automóveis vendidos no Brasil em 2021 é de R$ 92 mil. Três anos atrás, o valor era de R$ 75 mil.