No Ano do Turismo Sustentável, as prioridades da Organização Mundial do Turismo (OMT) incluem ações junto aos países membro para facilitação de viagens pelo planeta. A adoção de vistos eletrônicos para a entrada de estrangeiros, como prevê o plano Brasil + Turismo para os viajantes da Austrália, Canadá, Estados Unidos e Japão que desejarem vir ao país, é uma medida defendida pela Organização.
Outras ações do pacote lançado pelo Ministério do Turismo no início de abril e que buscam colocar o Brasil em um patamar superior aos 6,6 milhões de estrangeiros que vieram ao país em 2016 também estão alinhadas com diretrizes da OMT. E mesmo que a própria América do Sul, com 33 milhões de viajantes internacionais no ano passado, represente apenas 2,75% dos turistas pelo mundo, Sandra Carvao, diretora de Comunicação da OMT, acredita que o país possa crescer no cenário mundial nos próximos anos. Confira este e outros temas debatidos em entrevista com a diretora da OMT.
As viagens internacionais movimentaram 1,2 bilhão de pessoas no último ano e essa marca deve chegar a 1,8 bilhão em 2030, segundo as projeções da própria OMT. As mesmas projeções apontam que a América do Sul deve chegar a 58 milhões de viajantes em 2030, mas em 2016 foram registrados 33 milhões. Porque a América do Sul ainda não desenvolveu todo o seu potencial apesar dos muitos atrativos turísticos da região?
Por duas razões. A primeira é porque foi uma região no mundo que se desenvolveu mais tarde em termos turísticos. O turismo cresceu e começou na Europa e na América do Norte e foi ganhando peso em outras regiões. A segunda razão está relacionada com o fato de que a maioria dos turistas internacionais viajam na própria região, ou seja, os europeus viajam na Europa. O Ministério do Turismo brasileiro divulgou que seis entre dez turistas internacionais que visitam o país são da região [o Anuário Estatístico do Ministério do Turismo apontou que 56,7% dos turistas que vieram ao país em 2016 eram sul-americanos].
O que acontece? Os mercados emissores da América do Sul, em termos econômicos, demoraram um tempo para se desenvolver. Quando vemos o crescimento econômico do Brasil, do Chile, da Argentina e de outros mercados vizinhos, começamos a ver a própria região crescer. Mas, evidente que ainda há um potencial enorme de crescimento. Neste momento não chegará aos números de outras regiões, porém, mais importante que o número de pessoas é o benefício que cada destino pode ter.
É a mesma coisa de quando olhamos para a África, ou para o sudeste asiático. Os mercados emissores têm menos capacidade de gastar e isso tem impacto nos destinos. De qualquer maneira, o importante é que as taxas de crescimento são muito grandes e que a maior parte dos destinos percebeu a importância do turismo para o desenvolvimento regional.
Qual a imagem que a OMT tem do Brasil após a visibilidade que o país teve com os megaeventos como a Copa do Mundo e a Olimpíada principalmente, dos últimos anos?
Nós dizemos sempre que o mais importante do megaevento é o que vem depois, o legado que fica em vários aspectos. Primeiro no que diz respeito a investimento em infraestrutura por que de outra maneira não seria possível realizar o megaevento. Depois, em termos de conectividade, ou seja, muitas companhias aéreas podem começar a fazer rotas que não existiam e tentar mantê-las depois.
Em termos de recursos humanos, para se ter um evento tão grande tem que se investir em formação e capacitação para o futuro. A imagem do Brasil também mudou completamente, principalmente porque houve muitos comentários negativos antes dos megaeventos, mas depois quando as coisas correram tão bem, acho que foi aquele momento de olhar e dizer: "Fantástico! Realmente foi uma experiência muito boa! "
É muito complicado um destino tão consolidado, como o Rio de Janeiro, crescer durante um megaevento, porque a maior parte das pessoas que normalmente viriam, não vão querer viajar por causa do aumento dos custos e pela concentração de pessoas. Mas também é verdade que estes eventos são muito bons para atrair novos mercados. Pessoas que não viriam ao Brasil se não fosse o evento, podem voltar no futuro. Por isso, acho que foi muito bom os investimentos e, com certeza, nos próximos anos, os resultados vão aparecer. Além disso, com as medidas que o governo anunciou, o Brasil + Turismo, esta abertura que houve durante a Copa e os outros eventos será complementada. É a certeza de que isso vai ser sustentado no futuro.
A senhora disse que o turismo teve quedas pontuais em anos de crises econômicas mundiais. Porque a atividade turística não sofreu de maneira prolongada com estas crises?
Nós vimos que o turismo internacional só diminuiu em três anos: 2001, 2003 e 2009. Geralmente porque quando há uma retração em determinado destino, há uma substituição por outro. Ou seja, as pessoas não param de viajar, mas ao invés de irem para um destino que pode estar mais afetado por alguma questão como uma catástrofe natural ou problemas sanitários, as pessoas escolhem outros destinos.
Cada vez mais as viagens são tidas como uma das prioridades dos gastos das pessoas. Hoje em dia, muitas famílias pensam antes de comprar um televisor novo e preferem viajar, porque realmente há uma abertura para que as pessoas conheçam o mundo, além de uma oferta cada vez maior. A capacidade aérea cresceu nos últimos anos e isso reflete no crescimento das viagens. Acreditamos que o turismo é um setor que tem uma capacidade de resistência muito grande.
A senhora disse que não é necessário a isenção de vistos para turistas estrangeiros, mas que é essencial implementar formas de facilitar a entrada no país, como a emissão de visto eletrônico. Como essa e outras tecnologias têm ajudado o turismo?
A facilitação de vistos é uma das nossas prioridades porque temos estudos que comprovam que através da facilitação de vistos há mais turistas, mais receitas e empregos. O princípio da reciprocidade tem que ser respeitado e cada país tem que gerir. Não sendo possível dar a isenção, a maior parte dos países está avançando na questão dos vistos eletrônicos.
Quais as vantagens? A pessoa faz o seu registro em casa, não tem que se deslocar, não tem que entregar o passaporte e ficar sem o documento durante três ou quatro dias e os sistemas permitem ter um serviço rápido e confiável. Austrália e Estados Unidos trabalham com visto eletrônico há muitos anos. Ou seja, é a junção da tecnologia com a segurança.
O turismo é uma das áreas que sofre mais impacto com a tecnologia. A questão é como se adaptar. Cada Estado terá que decidir como é melhor, não necessariamente uma solução que funciona em um país funcionará em outro. O Airbnb e outras plataformas voltadas para alimentação, guia, transporte, entre outros, são fenômenos que vão continuar crescendo. Mas é importante regulamentar de alguma maneira para garantir a proteção do consumidor.
Estas plataformas são uma oportunidade porque em muitos países é uma forma de renovar edifícios que não estavam sendo usados e de gerar renda para certas comunidades. A questão é sempre ter formas de regulamentação. Por exemplo, se alugo um quarto e acontece alguma coisa, para quem eu vou reclamar? Como os direitos podem ser protegidos?
A ONU declarou 2017 como o Ano Internacional do Turismo Sustentável para o Desenvolvimento. Como a OMT planeja trabalhar o tema e como a Organização percebe o Brasil em termos de ações de sustentabilidade?
Nós sempre destacamos a questão da sustentabilidade nos três pilares: econômico, social e ambiental. A nossa área de atividade cobre estes três pilares. Por exemplo, no aspecto ambiental há uma questão importante para nós que é a diminuição do impacto que há no turismo local. Desenvolvemos, há vários anos, uma rede de observatórios de turismo sustentável e queremos que, em nível local, haja capacidade para se medir o impacto da atividade turística em questões como consumo de água, gestão de lixo e impacto cultural para que o turismo seja acessível a todos.
Neste sentido, o Brasil tem tentado avançar com algumas iniciativas. A América Latina é cada vez mais uma referência nesta área. Países como Brasil e Uruguai demonstram cada vez mais interesse no turismo sustentável. E tem toda a questão do turismo com impacto nas comunidades, para que se possa capacitá-las e integrá-las à cadeia de valores do turismo, porque cada vez mais as pessoas que viajam querem experiências autênticas. Então, há uma oportunidade grande para a venda de produtos locais e experiências locais e, neste aspecto, o Brasil tem uma infinidade de possibilidades.
Como funcionam estes observatórios de turismo?
Os observatórios são geralmente em universidades ou em entidades nacionais que trabalham com entidades locais e que definem quais áreas querem mensurar. Eles trabalham com uma série de indicadores que nós definimos. Atualmente, temos 17 observatórios, a maior parte na China. Cada um deles pode ter um foco específico, mais social ou ambiental, mas é basicamente uma implementação de uma série de indicadores de turismo sustentável que a OMT desenvolveu há vários anos. São indicadores globais que cada observatório implementa em nível local.
Quais as prioridades da OMT em relação ao Turismo Sustentável?
Nós temos três prioridades neste momento, uma delas é a facilitação de viagens, fazer com que sejam eliminadas as barreiras para viagens, não haja mais imposições de vistos. A segunda é auxiliar as pequenas e médias empresas a incorporar as tecnologias. E a terceira é a sustentabilidade nos três pilares: econômico, social e ambiental. Nós somos um organismo formado por países membros e o que fazemos é trabalhar com os ministérios de Turismo para melhorar a política turística de forma que a sustentabilidade seja um pilar desta política.