Sondagens realizadas para a continuação da pavimentação da Estrada do Cerne indicaram a presença de um sítio arqueológico que pode datar até 9 mil anos atrás. Para que a obra não destrua os objetos, já que o trajeto da via passa sobre o local, o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) contratou uma empresa especializada para fazer o resgate e catalogar os artefatos encontrados na área.
Os serviços no sítio, localizado no interior de Campo Largo, às margens do rio do Cerne, devem ser finalizados no início da próxima semana. Todo o material encontrado será catalogado e posteriormente encaminhado ao museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná (UFRP).
"Os objetos vão ficar expostos e disponíveis à comunidade acadêmica, pesquisadores e também poderão ser expostos ao público que visita o museu", explicou o secretário dos Transportes, Rogério W. Tizzot.
O coordenador da equipe, o arqueólogo Antônio Cavalheiro, revelou que as escavações apontam um sítio lítico com peças refinadas de pedra. Entre os mais de 60 objetos já encontrados e catalogados, estão ferramentas utilizadas para cortes, raspadores e até uma ponta de lança.
"O povoado que ali se situou era especialista em pedra lascada. São materiais que comprovam a existência de grupos humanos que tinham assentamento e um padrão de subsistência entre coleta e caça e que habitavam a região há muito tempo", acrescentou o arqueólogo. Cavalheiro explicou que ainda não é possível datar com exatidão o período que esse grupo habitou ou passou na região. "Era um grupo pequeno, possivelmente de seminômades, que podem ter passado aqui de mil até nove mil anos atrás", disse.
Segundo ele, a sequência das escavações pode facilitar a delimitação o quão antigos são os objetos. "Estamos procurando vestígios de fogueiras (carvão) que por testes realizados em laboratórios podem nos precisar a época que esse grupo esteve por aqui". Além do resgate das peças, o DER vai realizar nas escolas da região um trabalho de educação patrimonial, com o objetivo de divulgar à comunidade local o conhecimento histórico, arqueológico e cultural encontrado no sítio.
Histórico da Estrada do Cerne
A Estrada do Cerne foi a principal obra da década de 1930, época em que foi considerada "a maior rodoviária que se construiu no Paraná em todos os tempos". Faz a ligação entre o Sul e o Norte do Estado, passando por diversos municípios, entre eles Curitiba, Campo Magro, Piraí do Sul, Ventania, São Jerônimo da Serra, Jataizinho, Bela Vista do Paraíso e Alvorada do Sul, já na divisa com São Paulo.
Durante 20 anos, a Estrada do Cerne se tornou uma das principais vias de escoamento da produção agrícola, notadamente do café, que antes era em grande parte exportado pelo Porto de Santos, através da Estrada de Ferro Sorocaba, e passaria, desde a década dos anos 40, a movimentar o Porto de Paranaguá.
Os reflexos da via na região de sua zona de influência foram imediatos. Três grandes empreendimentos industriais foram erguidos ao longo e nas imediações da nova estrada: uma indústria de papel, a exploração em grande escala do carvão paranaense em Figueira e a usina de açúcar em Porecatu, que atraíram capitais paulistas sob o estímulo das facilidades criadas pelo interventor Manoel Ribas.
O Paraná não só cresceu como celeiro agrícola e maior exportador de café do Brasil, como também se industrializou a passos largos, transformando o Porto de Paranaguá num dos mais importante do País.
No início dos anos 60, com a abertura da Rodovia do Café, inteiramente asfaltada entre Ponta Grossa e Apucarana, o tráfego mais intenso deixou de lado a Estrada do Cerne, que começou a perder a importância, juntamente com quase toda a região por ela servida.
Além disso, o deslocamento da fronteira agrícola, depois de saltar o Rio Tibagi e de se expandir para o Nordeste e o extremo Oeste, provocou o esvaziamento econômico e demográfico da área. Hoje, com a revitalização da estrada, o governo do Estado pretende voltar a fortalecer a economia da região.