Aparentemente controlados no segundo semestre deste ano, os casos de sarna humana que vinham se alastrando por comunidades do litoral paulista estão dando sinais de retorno. Na Vila Nova Mirim, em Praia Grande, onde surgiram os primeiros casos em novembro do ano passado, moradores estão assustados. Na Vila Sônia, bairro periférico da cidade, um bebê de 2 meses precisou ser internado.
Após o caso ter sido levado a público em reportagem do UOL em maio, a prefeitura realizou algumas ações. Providenciou ligação de água potável até uma área na entrada da comunidade, agendou mutirão com atendimento de agentes das secretarias municipais, cadastrou famílias, medicou pessoas e congelou o avanço das moradias.
A doença, também conhecida como escabiose, é identificada por feridas cutâneas que causam coceira e prurido intenso. É provocada por um ácaro parasita (Sarcoptes scabiei) e se agrava quando as feridas são contaminadas por infecções secundárias, como as bacterianas.
O acompanhamento dos moradores na região ficou sob atribuição de uma agente comunitária que, segundo eles, há um bom tempo não aparece por lá. Quem tem acompanhado o drama das famílias é a empresária Patrícia Ogna Petrali, responsável pelo perfil do Instagram PG Invisível, criado para ajudar moradores da cidade.
Ela, que acompanhou o aparecimento dos primeiros casos, agora se preocupa com o ressurgimento da doença. "Várias famílias têm me procurado, não só em Nova Mirim, mas de outras comunidades e bairros também. Na Vila Sônia, acompanhei uma mãe desesperada tentando internação para o filho de 2 meses. Todos estão com muito medo. Não é uma doença fácil de enfrentar e parece que está sendo impossível de impedir".
O bebê em questão mora com a mãe, os avós e os outros três irmãos, de 9, 5 e 3 anos, em um apartamento de dois dormitórios em um conjunto habitacional na Vila Sônia.
Todos estão com sarna. Filhos, mãe e avós. A criança de 5 anos convive com a doença indo e voltando há quase um ano.
Quando estava grávida, a mãe chorou muitas vezes pensando no que iria fazer se o bebê contraísse a doença quando nascesse. A preocupação tornou-se realidade três dias após o nascimento e o estado de saúde da criança se agravou há alguns dias.
Internação negada
Apesar do acompanhamento médico familiar, realizado em uma unidade de saúde na Vila Antártica, o quadro de saúde do bebê só piorou. Sob orientação de uma médica, a mãe solicitou internação em um hospital da cidade para a criança. Mas o atendimento foi negado. A solução foi pedir ajuda a conhecidos. Foi quando conseguiu ser atendida em um hospital na cidade vizinha de São Vicente.
Mãe e filho estão com o corpo tomado pela doença, causada pelo ácaro sarcoptes scabiei, variedade hominis. Nem os seios da mulher foram poupados. Impedida por ordens médicas de amamentar, ela não sabe como fará para juntar dinheiro para o leite em pó. Desde o início da pandemia, a família vive de trabalhos esporádicos.
"Quem vai estender a mão para uma pessoa com o corpo todo marcado como o meu?", questiona. "Tenho feridas até nas mãos. À noite, o bebê grita de dor. Outro dia, minha mais velha me perguntou: 'Mãe, quando é que eu vou poder te abraçar de novo?'. Isso dói em mim e nela. Se eu pudesse, pegaria para mim todo esse sofrimento deles''.
O drama das mães de Nova Mirim
A situação não é muito diferente em Nova Mirim. Três mães, de 21, 26 e 30 anos, se dizem assustadas com a volta da sarna humana. Isso porque os primeiros sinais da doença já começaram a surgir novamente nos corpos dos filhos.
Uma delas teve a filha, à época com 6 meses, internada duas vezes por conta da doença, que agora acomete os dois meninos mais velhos e um irmão que mora com ela. "Meu desespero é aparecer de novo nela. A gente tomou os remédios mas não adiantou, não. Está voltando".
As feridas causadas pelo impetigo, uma doença de pele secundária relacionada à sarna humana, também já deixam marcas na pele de muitas crianças e adultos da comunidade de Nova Mirim.
Em um artigo publicado no site MedicinaNet, o médico Lucas Santos Zambon, doutor em Emergências Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, diz que a escabiose é uma doença comum em muitos países em desenvolvimento. Sua associação com o impetigo, uma infecção bacteriana da pele, pode levar a complicações sistêmicas graves.
"Tenho medo da minha bebê de 6 meses bebê pegar", afirma outra mãe, que tem uma menina de 7 anos com a doença. Mesmo caso da terceira mulher, que tem um menino dessa idade com feridas aparecendo no corpo e preocupa-se com a filha de 11 meses, ainda saudável. "Estamos morrendo de medo por causa dos bebês. Os mais velhos suportam mais o sofrimento, mas os nenenzinhos, não".
Prefeitura diz que agentes comunitários intensificarão visitas
Patrícia afirmou que, assim que notou os primeiros sinais de piora no quadro de saúde das crianças da comunidade de Nova Mirim, entrou em contato com o poder público para alertar as autoridades. Porém, não recebeu nenhuma resposta ou contato.
"É importante que o poder público continue acompanhando essas famílias. A ligação de água que providenciaram não chega nas casas, apenas até uma lavanderia coletiva. A infraestrutura nas comunidades é muito precária. Eu acompanho o esforço das mães em cuidar das crianças, mas sem apoio das autoridades, fica tudo muito mais difícil".
A prefeitura de Praia Grande informou que as equipes das unidades de saúde estão orientadas a tratar os casos de escabiose, sempre que surjam, de forma mais precoce possível. "Por meio do programa Consultório na Rua, os atendimentos são feitos em uma van equipada, que visita frequentemente os territórios de maior vulnerabilidade, fazendo ações preventivas junto à comunidade", explicou, por meio de nota.
Ainda na nota, a prefeitura informa que a equipe de agentes comunitários que atende o bairro atende a localidade semanalmente, mas avisa que intensificará as visitas nos próximos dias, para ampliar o atendimento.
Como forma de conter a propagação da doença, a prefeitura diz que "os casos pontuais serão tratados e acompanhados pelas equipes e caso haja o aparecimento de novos casos, ações integradas serão implementadas nessas localidades".
Quanto à negativa de hospitalização de bebê de 2 meses, a prefeitura informou que a criança passou por consulta no dia 10 de novembro, foi avaliada e medicada conforme indicação médica. " Foi solicitado ainda um retorno no dia 16, porém, a mãe não compareceu com a criança. Foi realizada busca ativa da criança e reagendada a consulta para o dia 17, e nova falta foi registrada", diz a nota. Hoje a equipe está em nova busca no território para localizar a criança, informa a prefeitura.