Você já deve ter reparado: quanto mais açúcar come, mais tem fome. Aí, se come de novo para saciar a fome, lá vem ela, ainda mais voraz. A explicação para essa verdadeira ''bola de neve'' pode estar no próprio organismo. E açúcar, neste caso, não é só o pó resultante do refino da cana, mas todos os carboidratos simples, como pão, macarrão, arroz e farinha brancos, que no processo de digestão viram glicose.
O fenômeno de compulsão por doces e carboidratos, segundo a nutricionista funcional Kelly Franco, de Londrina, é conhecido por ''sugar craving'' e mais predominante nas mulheres. Ainda não há comprovação científica que explique porque isso acontece, mas duas hipóteses já dão indicações das causas do fenômeno.
A primeira linha, aponta Kelly, considera que todo o açúcar ingerido demanda uma descarga de insulina, substância produzida no pâncreas, para que a glicose possa ser digerida - esse é o processo normal de digestão. Mas, quando tudo o que a pessoa consome é açúcar, a absorção é muito rápida, o que faz com que os níveis de glicose caiam rapidamente no sangue. Essa queda brusca causa fome, aí a pessoa come mais açúcar e o processo se repete: quanto mais glicose simples ingerida, mais fome.
A outra hipótese, explica a nutricionista, considera que o excesso de doces e farinhas brancas na alimentação diminui a absorção de uma série de vitaminas e minerais, como cálcio, magnésio, cromo, vitaminas do complexo B e C. ''Essa deficiência, além de poder levar a uma série de doenças, seria a causa da compulsão. Quando o corpo tem deficiência de algo, ele não vai 'falar', mas dar o estímulo da fome'', explica.
Isso também acontece, segundo Kelly, porque vitaminas e minerais são precursoras de hormônios como a serotonina e a dopamina, responsáveis pelas sensações de bem-estar e saciedade. ''Irritado, e com alteração de humor, a 'válvula de escape' costuma ser doces e chocolate'', diz. A ressalva neste caso é que o chocolate não tem só açúcar, mas é fonte de magnésio e de vitaminas do complexo B.
Uma dieta rica em açúcar e carboidratos simples, alerta a nutricionista, tem - isso sim comprovado - ''um efeito devastador no organismo''. Além do excesso de açúcar no sangue (hiperglicemia), esse tipo de alimentação, associada a falta de atividade física, fumo e estresse, leva ao aumento do triglicérides e à obesidade. Outra consequência grave é a resistência à insulina, estado também conhecido por pré-diabetes.
Uma das formas de controlar esse excesso de açúcar no sangue, explica a nutricionista, é fracionar as refeições e colocar em todas elas fontes de fibras, como alimentos integrais, frutas e verduras. As fibras diminuem a absorção de glicose no sangue porque deixam a digestão mais lenta. Isso traz mais saciedade, assim como comer mais vezes por dia em pequenas quantidades.
O resultado das duas ações, além da melhor alimentação e da prevenção a todas aquelas doenças citadas, é, com a saciedade, uma menor vontade de comer açúcar. E, para quem quer mudar hábitos e emagrecer, atesta a nutricionista, não há receita melhor.
Antes da doença, corpo dá sinais
O corpo não consegue funcionar sem vitaminas e minerais: ele se adapta. E, antes de apresentar doenças, ele dá sinais: pele ressecada, enxaqueca, sinusite, rinite, olheiras, cabelos e unhas fracas. ''Esse é o resultado de uma alimentação rica em pão branco, pizzas, macarrão instantâneo, sem nada de verduras, frutas e legumes'', alerta a nutricionista funcional Kelly Franco, de Londrina.
A nutrição moderna, segundo ela, hoje prega como importante não só o índice glicêmico dos alimentos, velocidade com que a glicose é absorvida, mas a carga glicêmica, que avalia a qualidade desse índice. ''Então, se antes, feijão, caqui e melancia, por exemplo, não eram indicados para diabéticos, porque de fácil e rápida absorção, hoje se sabe que eles têm muito a oferecer em nutrientes, fibras, vitaminas e minerais'', aponta.
Feijão, soja e folhas verdes escuras são alguns exemplos de alimentos que vale a pena incluir na dieta pelos benefícios que trazem. Eles contêm triptofano, aminoácido precursor da serotonina, substância que vai ajudar na saciedade. Outros, segundo Kelly, são o chá verde, o ginseng e a aveia, que ajudam a diminuir os níveis de glicose no sangue, e os ômegas 3, 6 e 9, através dos óleos de peixe, da linhaça, do azeite e das castanhas. ''Eles melhoram a utilização da insulina no organismo'', aponta. Outra dica é usar a inulina, açúcar da chicória, rico em fibras, que ajuda a diminuir a absorção de glicose.
Estágio de pré-diabetes é cada vez mais investigado
Pré-diabetes. O próprio nome indica que ainda não existe a doença (do tipo 2). Mas, ao mesmo tempo, já existem indícios. É por isso que, cada vez mais, especialistas se preocupam em detectar o mal nesse estágio que pode ser revertido. ''O que as pesquisas tem descoberto é que entre ter essa característica (de pré-diabetes) e se tornar diabético há um período de pelo menos 10 anos, tempo suficiente para mudar hábitos'', alerta o endocrinologista Guilherme Marquezine, de Londrina.
O diabetes, segundo o médico, se caracteriza por glicose no sangue acima de 125 em jejum, glicose maior que 200 sem jejum, ou quando há sintomas, como boca seca, emagrecimento repentino e paciente urinando demais. ''Mas, é importante lembrar que, no início, não há sintomas, o que não quer dizer que não há prejuízos. Nessa fase já é ruim para a circulação e para a parede dos vasos'', diz.
Como o normal é glicose até 99 em jejum, o pré-diabetes fica na faixa entre 100 e 125, que ''a qualquer momento pode ser revertido''. Para isso, é preciso intervir, principalmente na alimentação e na atividade física.
A obesidade, ressalta, é apontada como o fator pré-diabético mais importante. Primeiro porque é consequência de hábitos ruins - alimentação rica em açúcar e gordura, e sedentarismo. Segundo, porque a gordura visceral leva a um estado de resistência à insulina - é preciso cada vez mais da substância para manter normais os níveis de glicose, e, como a produção não aumenta indefinidamente, a vida útil do órgão poderia ficar menor.
E, por fim, porque a presença de gordura abdominal, a chamada ''entre vísceras'', produz substâncias que predispõe a desenvolver o diabetes, a baixar o bom colesterol (HDL), e a aumentar o triglicérides - todos fatores de risco para doenças cardiovasculares. ''Ninguém morre de diabetes, mas de complicações, como infarto e insuficiência renal'', afirma.
Mas não basta comer açúcar, carboidratos e gordura em excesso para desenvolver o diabetes. ''É preciso uma carga genética propícia'', ressalta.