Com tanta informação sobre alimentos e dietas veiculadas pela mídia, as pessoas formam uma opinião, muitas vezes, equivocada a cerca da real importância de determinados alimentos e tentam, a duras penas, incorporá-los em seus cardápios, mesmo contrariando seus mais arraigados hábitos alimentares, suas tradições e até suas reais necessidades nutricionais.
É muito difícil resistir à corrente que leva todas as pessoas a assumir um hábito alimentar, teoricamente correto, mas nem sempre necessário ou realmente benéfico para determinados indivíduos. Quem ainda não sentiu uma necessidade irresistível de comer linhaça? E quinoa? Como pode alguém ainda não ter provado este ou aquele milagroso alimento? Esses e muitos outros exemplos podem ilustrar o que vem ocorrendo com as escolhas alimentares das pessoas. Há um verdadeiro turbilhão de informações a cerca das "maravilhas nutricionais" de alimentos totalmente dispensáveis, ou que já fazem parte dos seus cardápios sob a forma de outros alimentos muito mais palatáveis e culturalmente assimilados pelos diversos povos.
Nesse processo, não podemos deixar de observar a influência exercida pela mídia, que demoniza alguns alimentos e destaca outros, com tamanha veemência que é capaz de criar um comportamento alimentar que reduz a importância da dieta como um todo em favor do poder curativo ou preventivo de determinados alimentos. Não importa o sabor, a pertinência do consumo ou até mesmo a adequação aos hábitos alimentares de um povo. As pessoas passam a consumir o "novo produto" porque leram ou ouviram dizer que tal alimento faz bem.
Outro fator a ser considerado é a força da indústria de alimentos, que pega carona em uma mídia favorável e lança mais e mais produtos, acrescentando mais marketing à fama "dos novos alimentos", tidos como saudáveis e fundamentais em todas as mesas. Além disso, para fortalecer esses novos lançamentos, começa-se a pôr em questão a importância de alimentos consagrados como o leite de vaca, o ovo, os pães e o velho e bom arroz com feijão.
Sob esta ótica, vamos falar sobre alguns dos alimentos que estão na moda?
Linhaça - trata-se de uma semente nutritiva e fonte de gorduras essenciais, os ômega 3 e ômega 6. Essas gorduras benéficas sempre estiveram presentes em nossos pratos através dos óleos vegetais como o óleo de soja. Dessa forma, já suprimos as recomendações diárias desses nutrientes essenciais. Além disso, outras sementes, como o gergelim, têm as mesmas propriedades nutricionais que a linhaça, além de serem mais saborosas e adequadas aos nossos pratos. Dessa forma, as pessoas precisam entender que a linhaça tem realmente o valor nutricional descrito, mas, isoladamente, não promove a saúde e não deve ser consumida como um remédio. Ela pode fazer parte de um cardápio saudável, quando apreciada.
Quinoa - esse alimento é realmente fundamental para alguns povos como os nativos do Peru, Chile, Bolívia e Colômbia. Trata-se de um grão fonte de proteína vegetal, rico em fibras e ferro, tal qual o nosso feijão. Tamanha semelhança entre a quinoa e o feijão torna questionável a relevância que a quinoa tem conseguido em um país como o nosso, tradicionalmente produtor de feijão, e que tem nesse grão o seu prato mais tradicional: o bom e velho arroz com feijão. Curioso ainda é o fato de que as pesquisas têm revelado uma queda progressiva no consumo nacional de feijão, enquanto se observa uma exaltação da quinoa, tanto por parte dos profissionais de saúde em suas orientações aos pacientes, quanto por parte da mídia e da indústria de alimentos. Temos presenciado pacientes que relatam estarem acrescentando quinoa às mamadeiras de seus filhos, a partir de descrições da semelhança desse grão com o leite materno... Não há dúvidas quanto ao fato desse alimento ser nutritivo, ele pode fazer parte do nosso cardápio, mas há uma grande diferença em considerá-lo fundamental ou único em suas propriedades. A quinoa é apenas mais uma opção de grão, dentro da grande diversidade alimentar nos dias de hoje. É um grande erro considerá-lo um substituto para o leite materno.
Soja e derivados - outra vedete dos "alimentos milagrosos", a soja consolidou sua fama a partir de 1999, quando o Food and Drud Administration (FDA), o órgão americano que controla e fiscaliza alimentos e medicamentos nos Estados Unidos, passou a recomendar o consumo da proteína de soja na prevenção das doenças cardiovasculares. Seguindo os passos do FDA, o Comitê de Alimentos da Sociedade Americana de Cardiologia (AHA) referendou essas indicações em 2000. Esses estudos foram posteriormente contestados, levando o FDA e o AHA a rever suas recomendações e a retirar suas indicações nos rótulos dos alimentos. A soja reinou invicta até o ano de 2006, quando em uma das mais recentes publicações científicas sobre o tema, a Sociedade Americana de Cardiologia, através de seu Comitê de Nutrição, fez uma análise dos últimos 10 anos de pesquisa sobre os efeitos da proteína de soja e das isoflavonas e conclui que elas não conferem nenhum benefício na redução do colesterol, não amenizam os sintomas da menopausa, não previnem a osteoporose, nem as doenças cardiovasculares, não sendo portanto recomendadas como suplementos em alimentos ou pílulas. A indústria de alimentos já havia se mobilizado em prol da soja, são muitos os lançamentos de sucos, chocolates, leites e vários outros alimentos que pegaram carona na fama do grão. O fato concreto e completamente comprovado é que a soja é uma proteína vegetal muito semelhante ao feijão, que também é rico em proteína vegetal. Nutricionalmente, ela é equivalente às proteínas derivadas de fontes animais, incluindo a carne, o ovo e o leite.
Fatos veiculados pela mídia, mesmo inconsistentes ou posteriormente declarados incorretos após novas evidências científicas são de difícil esclarecimento. O mito já foi criado e se torna, a cada dia, mais arraigado na crença popular. Os maiores equívocos vão além do uso de alimentos como remédios, o pior nessa história é o fato de que até profissionais da área de saúde cometem equívocos, quando substituem alimentos conhecidamente essenciais por equivalentes aos à base de soja. E assim, disseminam entre as pessoas a idéia de que a maioria delas não digere a lactose, que suco de soja é mais saudável do que suco de frutas, que o chocolate de soja é menos calórico ou de melhor digestão em comparação ao chocolate tradicional. Nesse contexto, o que há de real é que não há substitutos para o leite de vaca em teor de cálcio e vitamina D e que apenas as pessoas com intolerância à lactose (25 a 30% dos adultos acidentais) podem se beneficiar do leite de soja suplementado com cálcio, embora para esses, a indústria já produz o leite de vaca sem lactose.
O nosso posicionamento deve ficar bem claro: não temos nada contra incorporar alimentos derivados da soja ao cardápio, uma vez que a soja é uma fonte protéica e de gorduras benéficas. O que nos preocupa é a indicação inadequada do consumo de soja, com o status de remédio e, muitas vezes, substituindo alimentos muito importantes, nutritivos e já tradicionalmente adequados aos nossos cardápios.
Chá verde e seus congêneres - são 3 bilhões de xícaras todos os dias em todo o mundo. A maior parte consumida pelos povos orientais no Japão e na China, mas o mundo ocidental está atento aos vários sinais de benefícios à saúde promovidos pelos chás derivados de uma planta chamada Camellia sinensis. Os ocidentais até já se familiarizaram com os tais polifenóis derivados dessas folhas, prováveis agentes bioativos tão largamente descritos como protetores da nossa saúde. Nomes que passaram a fazer parte da lista de compras de muitas pessoas no ocidente, como chás verde, branco, vermelho e preto, oolong e ban-chá são tradicionais no oriente, servidos nas festas e reuniões familiares, acompanhando todas as refeições das pessoas, em todas as faixas etárias. Em relação aos seus benefícios à saúde, os chás são bons hidratantes. Quanto aos outros predicados tão divulgados, tem sido muito difícil comprovar os efeitos antioxidantes dos flavonóides contidos nos chás. Eles apresentam concentrações diferentes de polifenóis, de acordo com o solo onde foram cultivados e com o seu processamento. Há grande dificuldade em se provar a biodisponibilidade desses agentes no organismo humano em condições de consumo normal de chás, uma vez que os melhores resultados de pesquisas científicas foram alcançados com suplementos em cápsulas de polifenóis, em doses impossíveis de serem alcançadas com o consumo diário de chá.
Os chamados efeitos termogênicos do chá verde, responsáveis pela sua pressuposta ação emagrecedora não encontram respaldo nas pesquisas científicas, nem na prática clínica. Infelizmente, tomar chá verde durante a dieta não ajudará no emagrecimento. Continua valendo a pena o investimento em uma dieta hipocalórica para os que desejam realmente emagrecer.
Ração humana - trata-se de uma mistura de diversos tipos de cereais e outros ingredientes, que surgiu recentemente, com a suposta indicação de substituir uma refeição. Suas indicações são surpreendentes, pois se essa mistura realmente realizar as maravilhas a que se propõe, estaremos diante da maior invenção contra a obesidade dos últimos anos. Infelizmente não é bem assim, pois diferente do que se apregoa, esse composto não tem a capacidade de emagrecer ninguém, nem acelerar o metabolismo, estimular a digestão ou desintoxicar um organismo. Assim como qualquer outro alimento rico em fibras, essa mistura pode realmente aumentar a saciedade, mas essa condição pode também ser alcançada com a ingestão de alimentos integrais, frutas e verduras, que além de apresentarem maior variedade nutricional, já fazem parte do nosso cardápio.
A realidade tão difícil de ser percebida
Apesar de buscarmos soluções simples para questões tão complexas como saúde, longevidade e peso ideal, chegamos à conclusão de que o alcance dessas metas depende de um conjunto de fatores que vai muito além de uma colher de linhaça no café da manhã ou de uma xícara de chá, após o almoço.
O sucesso do trinômio qualidade de vida- peso ideal- vida longa depende muito mais de um grande empenho individual no sentido da prática regular de atividade física, da supressão do fumo, do consumo moderado de álcool e termina com a mobilização das famílias no sentido de viabilizarem o preparo de uma alimentação variada e saudável aos seus filhos, para que eles possam crescer com hábitos alimentares que, naturalmente, lhes assegure o alcance das metas de saúde.
*Fonte: Ellen Simone de Paiva, nutricionista e diretora do Citen - Centro Integrado de Terapia Nutricional (http://www.citen.com.br)