A obesidade infantil tem sido um tema mundialmente abordado. Nos Estados Unidos a primeira dama Michele Obama se encarrega de encabeçar uma grande mobilização em favor da alimentação saudável para os pequenos. O badalado chefe de cozinha Jamie Oliver iniciou um programa chamado Revolução Alimentar, que engloba vários projetos incluindo aulas de culinária e orientação alimentar nas escolas e nas comunidades. Percorre os Estados Unidos em um grande caminhão transformado em uma moderna cozinha móvel. Tudo com intuito de mudar os hábitos da alimentação americana com um foco bem estabelecido na educação alimentar infanto-juvenil.
Voltando à dura realidade brasileira, o que deparamos em nosso atendimento médico e nutricional às crianças com sobrepeso e obesidade são as grandes dificuldades em educar e mobilizar as famílias em prol da saúde de seus filhos. Quando analisamos que os Estados Unidos estão se mobilizando para voltarem a cozinhar, no Brasil nós estamos num movimento contrário. Por aqui, há poucos anos, as famílias ainda faziam suas refeições à mesa, muito provavelmente isso ainda ocorria na casa dos avós dos nossos pequenos pacientes. Hoje, as cozinhas são adornos totalmente dispensáveis nos apartamentos modernos e as crianças permanecem a mercê dos lanches, "deliveries" e congelados.
Consequências da alimentação
Quando abordamos os jovens casais sem filhos e com problemas de sobrepeso e obesidade, eles, desde então, se colocam avessos a idéia de prepararem suas refeições. Quando então indagados de como seria a vida familiar com a provável chegada de um filho, a resposta é sempre a mesma. "Quando acontecer, nós pensaremos em mudanças". Essa atitude mostra como será a alimentação dessa geração de crianças, que não terão a oportunidade de um vínculo com alimentação saudável. Seus vínculos terão fortes influências dos lanches, "deliveries" e congelados.
A escolha do alimento é da responsabilidade dos pais, portanto são eles que devem ter uma programação de supermercado que atenda a um cardápio saudável e diversificado. Comprar bolachas recheadas e salgadinhos em pacotes e se queixar que o filho come muito, é no mínimo incoerente.
Muitas crianças já chegam ao consultório com as conhecidas complicações da obesidade encontradas comumente em adultos. Elas apresentam alterações no colesterol, quadros de hipertensão arterial, acúmulo de gordura no fígado, alterações na insulina e no açúcar do sangue. Essas alterações estão sabidamente relacionadas à doença cardiovascular nos adultos e impõem às crianças um risco muito maior, pois a interferência na saúde dos pequenos ocorre desde muito cedo.
Como programar a alimentação das crianças
O café da manhã, muitas vezes, é a única refeição possível de reunir a família. Não se pode, na correria do dia a dia, omitir essa refeição. Comer na padaria ou na cantina da escola também não são alternativas. Vale a pena preparar uma mesa com leite e derivados, pães, frutas e cereais. Isso leva muito pouco tempo e serve de estímulo para a continuidade do cuidado com as refeições ao longo do dia.
Sempre que possível, os pais devem preparar em casa os lanches escolares. As cantinas são sempre um risco com seus salgadinhos fritos, pizzas, refrigerantes e até hambúrgueres. Apesar de serem cômodas aos pais, elas não são boas opções para os lanches das crianças. Assim, mais uma tarefa para os eles, prepararem lanches saudáveis e saborosos para competir com a sedução dos lanches das cantinas. Vale utilizar pães de forma, bisnaguinhas, embutidos como peito de peru e presunto magro, queijos e patês. Podem ser acompanhados com sucos de frutas ou água de coco. Vale utilizar a imaginação e considerar as preferências de cada criança.
O almoço geralmente ocorre longe dos pais. Algumas vezes, em casa com a empregada e outras vezes, na casa dos avós. Em casa, esse controle é mais fácil para aqueles pais que estão dispostos a interferir ativamente na alimentação das crianças. Eles podem elaborar o cardápio, fazer comprar condizentes com ele e orientar sua empregada a seguir a programação. Na casa dos avós, a situação é mais cômoda para os pais que preferem delegar suas responsabilidades. Nessas condições, eles não podem definir as refeições que serão servidas aos seus filhos. Também não podem exigir dos avós atitudes de pais.
O grande problema das tardes são os beliscos. As despensas são lotadas de guloseimas e as crianças acabam não tendo um lanche da tarde bem definido. Comem a revelia, durante todo o período, enquanto assistem TV, fazem tarefa ou estão no computador. Aqui também vale uma programação dos pais para os lanches da semana e um melhor controle pode ser alcançado com compras de supermercado condizentes.
Não há como habituar uma criança a jantar quando seus pais não fazem essa refeição. Chegam do trabalho à noite e se dizem sem vontade de comer "comida". Preferem lanchar e esse hábito é desde cedo incorporado pelas crianças. Se essa for realmente a única opção dessa família, então ela tem que se adequar em programar lanches saudáveis e bem definidos, capazes de oferecer às crianças os nutrientes que elas precisam. Aqui, vale lembrar que os lanches devem ter a conotação de um jantar, serem realizados à mesa e terem começo, meio e fim. Ao levantarem da mesa, a família deve entender que essa foi a última refeição do dia.
Enquanto as campanhas governamentais não chegam ao Brasil, os pais devem tentar rever seus hábitos e mudá-los em favor da saúde dos seus filhos. Isso não só será útil para as crianças, como para a saúde dos próprios pais.
*Por Ellen Simone de Paiva. endocrinologista e diretora do Citen - Centro Integrado de Terapia Nutricional.