Nutrição

Cuidado com a promessa dos alimentos funcionais

30 abr 2010 às 10:26

Alimentos quase mágicos. Além de nutrir, promovem saúde e previnem doenças. Assim são definidos "os alimentos chamados funcionais". Nos últimos dez anos, eles ganharam força e status de remédios. Saíram da natureza, onde inicialmente foram descobertos e ganharam as prateleiras dos supermercados e farmácias. "Em meio a essa profusão de compostos potencialmente benéficos à saúde, as ciências médicas e nutricionais ainda tentam entender tais propriedades e procuram comprovar se elas realmente existem", afirma a endocrinologista Ellen Simone Paiva, diretora do Citen, Centro Integrado de Terapia Nutricional.


Os alimentos mais conhecidos na longa lista de funcionais são a soja, os iogurtes, o chá verde, a linhaça, o tomate, as frutas vermelhas, as gorduras presentes nos azeites, óleos vegetais, castanhas e peixes, as fibras, o alho e a cebola. "Por incrível que possa parecer, até o chocolate ganhou sua versão funcional nas barrinhas amargas", observa a médica, que também é nutróloga.


Nessa onda promissora dos alimentos funcionais, a indústria alimentícia passou a incorporar vários desses compostos em seus alimentos e a indústria farmacêutica passou a encapsular todos eles, atendendo a pessoas cada vez mais ocupadas e sem condições de preparar seus alimentos. "Para elas, os alimentos funcionais são ‘uma promessa de saúde’ que elas incorporam. Ao fazer isso, as pessoas tentam substituir hábitos alimentares saudáveis pelo consumo deste ou daquele alimento funcional ou simplesmente por cápsulas", diz Ellen Paiva.


A EMEA, Agência Européia de Medicamentos, vem realizando um trabalho de avaliação dos reais benefícios dos alimentos industrializados que prometem melhorar a saúde das pessoas. Os resultados preliminares não têm convencido os especialistas europeus, eles têm rejeitado a maioria das alegações de funcionalidade dos alimentos.


A soja...


A diferença fundamental entre a proteína da soja e aquela das carnes vermelhas são as gorduras. Nas carnes vermelhas, a proteína se associa a grande quantidade de gorduras saturadas, conhecidas por elevar o colesterol. Na soja, a proteína é rica em gorduras insaturadas, sabidamente protetoras à saúde cardiovascular. Além disso, a soja é rica em fibras, vitaminas e minerais, o que faz dela um alimento de riquíssimo conteúdo nutricional.


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Nos últimos 10 anos, a soja tem sido objeto de muitos estudos e ainda não há consenso sobre as reais propriedades deste alimento. "Como as alegações de funcionalidade são relacionadas principalmente à saúde cardiovascular, temos que ouvir a posição das sociedades médicas de cardiologia e elas não confirmam, em seus últimos posicionamentos, os efeitos protetores da soja em relação às outras proteínas da dieta. Estudos preliminares indicam que a ingestão de grande quantidade de proteína de soja pode até causar pequena redução do colesterol, principalmente quando substitui a proteína de origem animal das carnes vermelhas. Essa posição coloca a soja como um alimento saudável e não como um alimento funcional", explica a diretora do Citen.


Com relação à saúde da mulher, há um consenso entre os estudiosos no assunto de que as isoflavonas da soja não melhoram as ondas de calor relacionadas à menopausa. "Os possíveis benefícios atribuídos à soja são frutos das oscilações naturais desses sintomas no climatério", explica a endocrinologista.


Bactérias protetoras dos iogurtes


A alegação de funcionalidade dos iogurtes se deve ao fato deles conterem microorganismos vivos, como os lactobacilos, que exerceriam múltiplos efeitos protetores, como a melhora da imunidade intestinal contra bactérias patogênicas e vírus, além da prevenção de doenças gastrintestinais inflamatórias.


"Aqui, também não há consenso, pois embora existam algumas evidências que sustentem os efeitos benéficos dos iogurtes, muitos estudos são inconsistentes devido às diferenças nas espécies de bactérias utilizadas, nas quantidades administradas e até mesmo devido a falta de consenso do que seria saúde intestinal. Além disso, todas as alegações de benefícios desses produtos se baseiam em pesquisas feitas com animais ou pessoas doentes, ao passo que a grande utilização destes produtos é feita por pessoas saudáveis", diz a endocrinologista Ellen Paiva.


O que há de especial nos chás e no vinhos?


Estamos falando dos polifenóis, um componente presente em alguns tipos de chás, vinhos tintos, sucos de uvas, frutas vermelhas - principalmente em suas cascas - chocolate amargo, alho e cebola. Com tamanha diversidade de alimentos, os polifenóis vêm chamando atenção para a possibilidade de melhorarem os fatores de risco cardiovascular.


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As pesquisas realizadas em animais e em células isoladas em laboratório são unânimes em mostrar que os polifenóis presentes em alguns chás têm atividade contra o câncer, impedindo o crescimento de tumores de vários órgãos e têm efeitos benéficos nos fatores de risco cardiovasculares. Também são muitos os trabalhos que mostram efeitos em animais de laboratório, com benefícios incontestáveis no que se refere à melhora do metabolismo dos carboidratos e à prevenção do diabetes, aumento da queima de gorduras com redução e manutenção do peso desses animais, dentre outros benefícios. "Entretanto, não há estudos com metodologia apropriada em humanos", alerta a médica.


Os chás apresentam concentrações diferentes de polifenóis, de acordo com o solo onde foram cultivados e com o seu processamento. "Há grande dificuldade em se provar a biodisponibilidade desses agentes no organismo humano em condições de consumo normal de chás, uma vez que os melhores resultados de pesquisas científicas foram alcançados com suplementos em cápsulas de polifenóis, em doses impossíveis de serem alcançadas com o consumo diário de chás", explica a endocrinologista Ellen Paiva.


Os polifenóis estão presentes em maiores concentrações no vinho tinto, nas frutas vermelhas, no suco de uva, nos chocolates amargos, no alho e na cebola, conferindo a todos eles uma referência em proteção cardiovascular. "Entretanto, o consumo sugerido para polifenóis seria o equivalente ao consumo diário de 30mg/dia, ou seja, uma taça pequena de vinho tinto, 100g de cebola, uma porção de frutas vermelhas, 60g de chocolate ou cerca de 2 litros de chá por dia", destaca a médica.


Dentre todos esses alimentos, o vinho tinto talvez seja o mais estudado e com resultados mais promissores, demonstrando um real benefício na proteção cardiovascular. "Infelizmente, o consumo diário de qualquer bebida alcoólica traz consigo os riscos do abuso e da dependência, com todos os seus resultados trágicos para as famílias e para a sociedade, tornando os seus benefícios difíceis de serem avaliados, frente aos seus riscos inerentes", lembra Ellen Paiva.


Gorduras podem fazer bem à saúde?


Há muitas evidências de que a gordura monoinsaturada, presente no azeite, pode ter efeitos benéficos na prevenção de doenças cardiovasculares e do câncer, principalmente o azeite não refinado ou virgem. "Além de gordura monoinsaturada, o azeite contém altas concentrações de vitamina E, beta caroteno e polifenóis. Essa associação de compostos parece ser o fator responsável pela sua atividade antioxidante e antiinflamatória. São estas características que colocam as fontes de gordura monoinsaturada no ranking de alimentos com grandes chances de atenderem às alegações de funcionalidade", explica a diretora do Citen.


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Outras gorduras com possibilidades de atenderem às alegações de funcionalidade são aquelas presentes nos óleos vegetais como os de canola, milho, girassol e soja; sementes oleaginosas como a linhaça e peixes de águas geladas e profundas como o salmão. "Vários trabalhos científicos já comprovaram os efeitos benéficos dessas gorduras no sentido de proteção cardiovascular", diz a médica.


Entretanto, todos os trabalhos científicos que demonstraram os benefícios das gorduras insaturadas foram realizados em vigência de redução de gorduras saturadas, dificultando assim, a avaliação apropriada dos benefícios isolados das "gorduras do bem" em relação à proteção cardiovascular. "Além disso, para atender às recomendações de consumo das gorduras insaturadas, basta a ingestão moderada de azeite e óleo de soja ou de canola. Não há nenhum benefício extra na suplementação destas substâncias em alimentos industrializados ou em cápsulas", afirma Ellen Paiva.


As fibras e seus benefícios à saúde


As fibras da dieta são as porções não digeríveis dos alimentos. De uma maneira geral, as pessoas entendem as fibras como alimentos que facilitam a função intestinal. Essa é apenas uma parte das funções das fibras, aquelas chamadas fibras insolúveis, presentes nos cereais integrais, em seus farelos, e em pequena quantidade nas verduras e frutas. "Na última década, muitos estudos têm demonstrado o efeito das fibras no metabolismo dos carboidratos e gorduras. Os estudos referem-se às fibras solúveis, presentes nas polpas das frutas, nas verduras, nas leguminosas - parte interna dos feijões, lentilha, grão de bico e soja - , mas principalmente na aveia e seu farelo", explica a médica.


Na última década, vários trabalhos científicos têm revelado que o diabetes pode ser prevenido a partir de mudanças no estilo de vida. Essas mudanças incluem moderada perda de peso, aumento da atividade física, diminuição do consumo de gorduras saturadas e aumento no consumo de fibras. "Neste contexto, as fibras tornariam mais lentos o esvaziamento gástrico e a absorção da glicose, além de reduzir a absorção do colesterol. Os resultados desses estudos têm colocado as fibras como constituintes fundamentais de qualquer dieta saudável e dado a elas o status de alimento funcional", conta a endocrinologista.


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Por outro lado, intervenções pontuais e isoladas, através do aumento na ingestão de fibras, como o consumo da ração humana, não têm demonstrado efeitos benéficos à saúde. "O que significa dizer que as fibras são benéficas à saúde, somente quando incluídas em uma dieta saudável", defende Ellen Paiva.


Os fitosteróis suplementando margarinas e iogurtes


Os fitosteróis são compostos presentes nos vegetais e que apresentam uma configuração muito parecida com a do colesterol. Quando ingeridos em quantidades apropriadas, eles aparentemente competem com o colesterol da dieta pelos sítios de absorção e, dessa forma, podem reduzir a absorção do colesterol.


"Os fitosteróis estão presentes naturalmente na soja, no gergelim, nos óleos vegetais, legumes, verduras e frutas. A indústria de alimentos tem usado os fitosteróis em margarinas e iogurtes. Os estudos sobre esta utilização indicam que a ingestão de cerca de 2-3g/dia de fitosteróis, o equivalente a 20-30g de margarina enriquecida, causaria uma redução de 6 a 15% do colesterol. Essa queda é relevante, principalmente no contexto de uma dieta rica em frutas, verduras, legumes e alimentos de baixo teor em gordura saturada", explica diretora do Citen.


Tomate com status de alimento funcional


Os carotenóides são pigmentos solúveis em gordura, com potencial antioxidante e abundantes em frutas e vegetais. Os principais são o α caroteno, β caroteno, licopeno, luteína e zeaxantina. "As alegações de proteção cardiovascular dos carotenóides ainda não puderam ser comprovadas, mas povos que se alimentam de dietas ricas em verduras e frutas são comprovadamente menos acometidos por doenças cardiovasculares. Comprovar essa relação fica difícil em estudos observacionais, uma vez que, coincidentemente, são povos com outros hábitos de vida também saudáveis", diz Ellen Paiva.


Dentre os carotenóides, o licopeno recebeu grande ênfase, nos últimos anos, em virtude da associação comprovada da ingestão frequente do tomate com a redução da incidência de câncer de próstata. Quando avaliado o consumo do molho de tomate, parece que a proteção é ainda maior. "Sabemos, entretanto, que a suplementação com licopeno manipulado em cápsulas não tem o mesmo efeito do consumo do licopeno na dieta. Novamente, aqui, encontramos muita dificuldade em comprovar tal alegação, devido ao fato do estudo observacional não ter força para definir um conceito. Esses estudos apenas chamam a atenção para pontos que devem ser esmiuçados de forma mais precisa através de pesquisas com melhores níveis de evidências científicas", alerta a endocrinologista Ellen Simone Paiva.

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