Em seu mais recente relatório sobre drogas, a ONU alerta para aquilo que considera "consequências catastróficas" do uso acelerado de substâncias, em especial as sintéticas, e afirma que o controle do Talibã no Afeganistão e a Guerra da Ucrânia devem ser considerados nesse debate.
Em 2021, mostram dados divulgados no domingo (25), uma em cada 17 pessoas de 15 a 64 anos usou drogas, somando 296 milhões de usuários --23% a mais do que dez anos atrás. O crescimento está relacionado ao aumento da população global, mas não apenas.
Chama a atenção também o salto no número de pessoas que usaram drogas injetáveis naquele ano: 13,2 milhões, 18% a mais que em 2020. O aumento, em partes, deve-se a novos dados disponíveis sobre os EUA, um dos protagonistas no uso e no tráfico de drogas no mundo.
A maconha segue como a droga mais usada, com estimados 219 milhões de usuários em 2021 --4,3% da população adulta global. Ainda que a maioria dos usuários seja de homens (70%), a divisão de gênero tem mudado em algumas regiões: mulheres são 42% das usuárias na América do Norte, por exemplo.
Estima-se também que, naquele ano --o último com dados coletados pela ONU--, 36 milhões de pessoas tenham usado anfetaminas; 22 milhões tenham usado cocaína e e 20 milhões tenham usado ecstasy.
Enquanto o contato com as substâncias se amplia, o acesso a tratamento para os que necessitam recua. Estima-se que quase 40 milhões de pessoas sofriam de transtornos por abuso de drogas em 2021, mas apenas uma em cada cinco pessoas receberam tratamento.
O quadro, diz a ONU, está relacionado à pandemia de Covid que, àquela altura, ainda convivia com cifras expressivas da doença. De 46 países que usualmente compartilham dados sobre o assunto, 40% registraram declínio no número de pessoas acessando tratamento.
As Nações Unidas chamam atenção especial para um crescimento contínuo da demanda e do fornecimento de cocaína. O cultivo de coca ocupou mais de 315 mil hectares em 2021, e a produção global de cocaína superou 2.300 toneladas --ambas cifras recorde.
"Testemunhamos um aumento contínuo no número de pessoas que sofrem de transtornos por uso de drogas em todo o mundo, e o tratamento não chega a todos que precisam", disse a egípcia Ghada Waly, diretora-executiva do escritório de drogas e crimes da ONU.
"Precisamos intensificar respostas contra narcotraficantes que exploram conflitos e crises globais para expandir o cultivo e a produção de drogas ilícitas, especialmente sintéticas, alimentando os mercados ilegais e causado danos a pessoas e comunidades."
Waly se referia à outra importante parte do relatório que, ademais dos dados, alertou para o impacto que novos e antigos conflitos regionais podem ter para a produção de drogas. O novo relatório da ONU aponta por exemplo para implicações preocupantes na Bacia Amazônica, que abrange países como Brasil, Bolívia e Colômbia.
A organização afirma que está se intensificando a tendência do "narcodesmatamento" na região, que descreve como a destinação dos lucros do narcotráfico para a especulação fundiária, "representando um grande perigo para a floresta tropical e os povos indígenas locais".
O material afirma que, ainda que o narcotráfico seja apenas uma das múltiplas atividades ilegais de grupos criminosos na região, ele catalisa a riqueza de grupos criminosos, o que é facilitado pela baixa regulação e presença dos Estados em uma região rica em recursos naturais.
Outro cenário que chama a atenção é o do Afeganistão sob controle do grupo fundamentalista Talibã, que retomou o poder em 2021 após a retirada das tropas americanas. Em 2022, a produção de ópio no país, com 6.200 toneladas, representou 80% da produção global.
Ainda que a nação tenha uma das maiores produções de papoula do mundo, porém, a ONU estima que isso deve mudar após a proibição talibã do cultivo de narcóticos no país.
"Relatórios iniciais sugerem reduções no cultivo da papoula", diz a ONU. Mas, apesar dos benefícios globais disso, a organização assinala consequências para os agricultores, que já enfrentam grave crise econômica e não teriam outra fonte de renda, e o fato de que, uma vez que o Afeganistão é um grande produtor de metanfetamina, a queda do ópio pode levar a um aumento da fabricação das drogas sintéticas.
Sobre a Ucrânia, o novo relatório indica que a guerra em curso no país do Leste Europeu pode ter interrompido rotas de tráfico de heroína e cocaína, mas também há indícios de que isso possa desencadear a expansão da fabricação e do tráfico de drogas sintéticas, "dado o conhecimento prévio que existia no país antes do conflito armado".