A euforia sentida por Evair Canella, de 25 anos, ao entrar em Medicina na Universidade de São Paulo (USP) se transformou em angústia e tristeza. Ao encarar a pressão por boas notas, a extenuante carga horária de aulas, as dificuldades financeiras para se manter no curso e os comentários preconceituosos por ser gay, ele foi definhando. "Tinha muitas responsabilidades, com muitas horas de estudo." Em maio, no 4º ano do curso, foi internado no Instituto de Psiquiatria da USP, com depressão grave. Ficou lá durante um mês e segue com antidepressivos e acompanhamento psicológico.
Situação parecida viveu a estudante de Engenharia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Bárbara (nome fictício), de 21 anos, que trancou a matrícula após desenvolver um quadro de ansiedade e depressão que a levou à automutilação e a uma tentativa de suicídio no fim de 2016. Ela passou por tratamento, mudou de cidade e de faculdade, e retomou em agosto os estudos.
Relatos como esses se tornaram cada vez mais frequentes e mobilizam universidades e movimentos estudantis a estruturar grupos de prevenção e combate aos transtornos mentais. As ações, para oferecer ajuda ou prevenir problemas como depressão e suicídio, incluem a criação de núcleos de atendimento mental, palestras e até o acompanhamento de páginas dos alunos nas redes sociais.
Dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação dão uma ideia da gravidade do problema. Apenas na UFSCar, foram 22 tentativas de suicídio nos últimos cinco anos. Nas universidades federais de São Paulo (Unifesp) e do ABC (UFABC), cinco estudantes concretizaram o ato no mesmo período. Mapeamento feito pela UFABC mostrou que 11% de seus alunos que trancaram a matrícula em 2016 o fizeram por problemas psicológicos.
A falta de compreensão de parte dos docentes é uma das principais queixas. "Alguns parecem ter orgulho em pressionar, reprovar", conta Bárbara.
O psicólogo André Luís Masieiro, do Departamento de Atenção à Saúde da UFSCar, diz que a busca por auxílio psicológico está frequentemente ligada à exigência constante que se faz dos jovens. "Sem dúvidas há um aumento do fenômeno da depressão em universitários. A ameaça do desemprego e do fracasso profissional são fatores desencadeantes de depressão."
A UFSCar informou ainda que, entre outras iniciativas, distribuiu cartilha de práticas de acolhimento em saúde mental para docentes e funcionários que recebem alunos em situação de sofrimento psicológico.
Para combater o problema, instituições tentam, aos poucos, se aproximar dos alunos. Na Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, são estratégias a indicação de professor mentor para quem teve mudança repentina no rendimento acadêmico.
Na Federal de Minas Gerais (UFMG), foram criados neste ano dois núcleos de saúde mental, após dois suicídios entre alunos. Até então, só a Medicina tinha atendimento do tipo. "Se um fato já aconteceu, é sinal de que falhamos no processo", diz a vice-reitora Sandra Almeida.
Já a Federal da Bahia (UFBA) criou, também em 2017, programa para prevenir e ajudar alunos, principalmente os de baixa renda. "Os cotistas sofreram rejeição, até mesmo de alguns professores", diz o psicanalista e assessor da UFBA Marcelo Veras.
Mobilização
Alunos também têm criado grupos para auxiliar colegas e sensibilizar as instituições. A principal iniciativa do tipo foi a Frente Universitária de Saúde Mental, criada em abril por alunos de instituições públicas e privadas de São Paulo.
O movimento surgiu após tentativas de suicídio na Medicina da USP. "Eram muitos alunos com esgotamento, sem acompanhamento adequado, e percebemos que isso não era particularidade da Medicina", conta a aluna do curso Karen Maria Terra, de 23 anos, da Frente. Eles organizaram, em junho, uma semana de palestras para abordar questões sobre a saúde mental. A página do grupo no Facebook tem 27 mil seguidores.