Entre vários testes com diferentes drogas para tratar Covid-19 por meio de spray nasal em andamento, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) parece ter escolhido como aposta um dos experimentos mais iniciais e ainda sem resultado publicado.
Há, atualmente, 35 pesquisas em humanos avaliando 22 possibilidades de drogas contra Covid-19 aplicadas por inalação feita em hospital.
Países como Argentina, Colômbia, Egito e Canadá têm pelo menos três pesquisas clínicas registradas em andamento com sprays para Covid-19. Os experimentos estão em diferentes etapas. O estudo argentino, que avalia uma droga diferente da israelense, a Iota-Carrageenan, testada em 400 participantes, está na última etapa de avaliação, por exemplo.
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Já o estudo de Israel com o spray nasal EXO-CD24 aplicado à Covid-19, sobre o qual Bolsonaro tem falado mais recentemente, é um dos mais iniciais dentre os registros de pesquisas clínicas.
A chamada fase 1 do EXO-CD24 começou no final de setembro do ano passado e, oficialmente, seria concluída apenas em 25 de março. As informações são da base internacional Clinical Trials, que reúne dados sobre experimentos de medicamentos, diagnósticos e vacinas com pessoas no mundo todo.
Nessa etapa inicial da pesquisa se avalia a segurança de uma droga para uma doença específica, mesmo que o medicamento já seja testado e aprovado para outra enfermidade. O EXO-CD24 já é usado para tratamento especificamente de câncer de ovário.
"A fase 1 é feita com um pequeno número de pessoas, geralmente na casa das dezenas, para testar dosagem e toxicidade. Não há, nesta fase, uma preocupação em testar se o medicamento funciona", explica Natália Pasternak, microbiologista da USP.
O EXO-CD24 está sendo testado para Covid-19 com 30 voluntários. Por enquanto, não há resultados publicados em artigo científico nem da fase 1 –que, vale lembrar, ainda não está oficialmente concluída. Não dá, portanto, para saber se o spray realmente funciona para a doença causada pelo novo coronavírus.
Desde meados de fevereiro, Bolsonaro tem falado sobre o medicamento israelense. Em 12 de fevereiro, o presidente escreveu em suas redes sociais que estava em tratativas com Israel para "participação do Brasil na 3ª fase de testes do spray EXO-CD24, medicamento israelense que, até o momento, vem obtendo grande sucesso no tratamento da covid-19 em casos graves."
Não há informação, no entanto, sobre quais instituições de pesquisa fariam os testes do spray de Israel no país
Três dias depois, também via redes sociais, disse que o "EXO-CD24 é um spray nasal desenvolvido pelo Centro Médico de Ichilov, em Israel, com eficácia próxima de 100% (29/30), em casos graves, contra a Covid. Brevemente será enviado à Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] o pedido de análise para uso emergencial do medicamento."
Na última terça-feira (23), o presidente chegou a afirmar, na entrada do Alvorada, que mandaria uma comitiva para Israel neste final de semana para tratar do assunto. Ministério da Saúde e o Planalto não confirmaram a informação até a publicação deste texto.
Segundo o Ministério das Relações Exteriores, "os governos de Brasil e de Israel têm trabalhado conjuntamente para aprofundar modalidades de cooperação na área de saúde. O Itamaraty tem apoiado o diálogo entre os dois governos sobre o tema, em coordenação com o Ministério da Saúde e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Eventual missão oficial àquele país será informada oportunamente".
Bolsonaro começou a falar sobre o spray de Israel para Covid-19 logo depois que um jornal daquele país, Times of Israel, noticiou, em 5 de fevereiro, que a droga em testes "curou" 29 dos 30 casos moderados a graves de Covid-19. O tom foi de "grande descoberta".
A informação teve base em informações divulgadas pelo hospital Tel Aviv's Ichilov, que está realizando os experimentos. De acordo com a imprensa local, a droga foi ministrada por três a cinco dias.
Não há evidências científicas para se falar em cura da Covid-19.
A eficácia de uma droga é avaliada em grandes amostras de pacientes em pesquisas com grupo controle –basicamente, um conjunto de pacientes recebe a droga e, outro, um placebo, sem que os cientistas e os pacientes saibam quem recebeu o quê, para evitar qualquer viés. Depois disso, o resultado é avaliado.
No caso do spray EXO-CD24, toda essa etapa de estudos ainda nem começou.
O spray nasal de Israel tem sido considerado por cientistas como a nova aposta "milagrosa" de Bolsonaro contra Covid-19 depois de drogas como cloroquina (antimalárico) e ivermectina (vermífugo).
Ambas não têm eficácia comprovada contra a doença causada pelo novo coronavírus. E, diferentemente do spray nasal de Israel, as duas drogas já contabilizam centenas de pesquisas concluídas.