Uma lei municipal que estabeleceu a identificação de pessoas que estão infectadas com a Covid-19 em Apiacás (a 1.110 km de Cuiabá) tem gerado polêmica em Mato Grosso. Enquanto o prefeito Júlio Cesar dos Santos (MDB) afirma ter o apoio dos comerciantes e de 90% da população, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) estadual classifica a medida como inconstitucional e preconceituosa.
Desde o início da pandemia, surgiram propostas, decretos e leis polêmicas em várias cidades do Brasil, que foram de orações e jejum até a aplicação retal de ozônio, passando por uma proposta de pulverização de um município com álcool em gel. O uso de pulseiras para identificar contaminados pelo novo coronavírus é aplicado no interior de São Paulo, também com questionamentos, assim como em Mato Grosso.
A lei que foi aprovada por unanimidade pela Câmara de Apiacás estabelece que pacientes com Covid-19 ou suspeita e sintomas de contaminação "obrigatoriamente serão identificados por uma pulseira na cor vermelha fornecida pela Secretaria Municipal de Saúde".
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O objetivo da prefeitura é identificar as pessoas para que não circulem em espaços públicos nos 14 dias de quarentena e, assim, não transmitam o vírus. A lei ainda diz que a pessoa só poderá abandonar o isolamento em caso de necessidade médica ou quando autorizada a circular pela autoridade sanitária.
As pulseiras serão colocadas por profissionais nas unidades de saúde, clínicas e laboratórios particulares onde são feitos testes "e só poderão ser retiradas por profissionais da rede pública de saúde, quando a suspeita do contágio de Covid-19 for descartada".
A lei ainda estabelece que a pessoa que retirar a pulseira responderá civil e criminalmente. Quem desrespeitar e for autuado será levado para casa e receberá multa de R$ 500 --valor que dobra em caso de reincidência. Apiacás tem 10.286 habitantes e até esta sexta (9) teve 1.430 casos da doença.
"Pelo que estamos vendo pelas redes sociais, o apoio da população está em quase 90%. E os comerciantes todos aprovaram a medida", disse o prefeito.
Porém, para Flávio Ferreira, presidente da comissão de direitos humanos da OAB de Mato Grosso, o decreto é ilegal e remete ao tempo do nazismo. "Os judeus eram identificados com estrelas na roupa na Alemanha. Isso é discriminação e fere a dignidade humana que é preceito de qualquer civilização e que foi estabelecido pela ONU em 1948", disse.
Apesar de considerar ilegal, Ferreira disse que a comissão só tomará medidas se for provocada por terceiros.
O uso de pulseiras estreou no interior de São Paulo em Nova Granada, na região de São José do Rio Preto, há um mês, e já resultou na aplicação de multas.
Atualmente, 96 pessoas estão usando a identificação, sendo 70 da cor vermelha, que significa que estão infectadas, e 26 com a amarela, que é quando a pessoa ainda não teve a confirmação por meio de exame laboratorial. Dois usuários foram multados em R$ 300 cada um por descumprirem o isolamento.
O temor, segundo a prefeita, Tânia Yugar (PSD), que é médica, é maior pelo fato de a cidade não ter nenhum leito de UTI (Unidade de Terapia Intensiva).
No dia do anúncio da medida, havia 146 pessoas em tratamento, o que significa que o total de casos confirmados ou suspeitos agora (96) é 34% menor. Quem é diagnosticado com a doença recebe da prefeitura uma cesta básica e um kit contendo máscara N95, luva, álcool em gel e termômetro digital.
A partir de Nova Granada, outros municípios decidiram aplicar a medida, como Tabapuã, Irapuru e Iacanga.
Em Tabapuã, o decreto do prefeito Silvio Sartorello (PTB) entrou em vigor no último dia 23 e prevê multa no mesmo valor.
Já em Irapuru, o anúncio do uso das pulseiras foi feito no último dia 29. O descumprimento resulta numa multa mais pesada: R$ 1.163,20 por dia.
Em Iacanga, porém, a prefeitura anunciou na quinta-feira (8) a revogação do decreto sobre o uso obrigatório de pulseiras após recomendação do Ministério Público Estadual.
Entre as considerações apontadas pela Promotoria está uma resolução da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que diz que o enfrentamento da pandemia não pode prescindir do respeito aos direitos humanos das pessoas. "Com especial enfoque para a eliminação de todas as formas de discriminação e respeito à autodeterminação", diz trecho de comunicado da administração.
Além das pulseiras, outras propostas de municípios brasileiros geraram polêmica em meio à pandemia. No ano passado, a Prefeitura de Ladário, no Mato Grosso do Sul, publicou um decreto pedindo 21 dias de orações e um dia de jejum para vencer a pandemia.
Já em Itajaí, em Santa Catarina, a prefeitura propôs adesão ao tratamento de ozonioterapia com aplicação retal, que não tem comprovação científica. De acordo com dados da secretaria de Saúde da cidade, até janeiro 81 pessoas utilizaram o método, sendo que 49 finalizaram o procedimento.
No mês passado, viralizou um discurso do presidente da Câmara de Canela, no Rio Grande do Sul, Alberi Dias (MDB), que chegou a propor a pulverização de álcool em gel nos céus da cidade para combater a Covid.
Conforme a ideia, a pulverização seria feita por aviões agrícolas, que seriam emprestados por empresários e agricultores. A proposta não chegou a ser colocada em prática.