O projeto de lei que amplia a possibilidade de compra de vacinas contra a Covid-19 pela iniciativa privada completou 40 dias na gaveta do Senado, e os senadores avaliam que, por ora, são pequenas as chances de a proposta prosperar.
Após uma rápida tramitação na Câmara e contando com o apoio de parte do setor empresarial, o projeto de lei chegou ao Senado em 7 de abril e desde então não entrou na pauta de votação. A proposta busca antecipar o momento em que a iniciativa privada seria autorizada a usar parte das vacinas adquiridas.
O texto enfrenta resistência entre senadores, que argumentam que ela pode desfigurar outra iniciativa, já sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, para permitir que a iniciativa privada possa comprar e usar vacinas contra a Covid-19 imediatamente.
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A atual regra que permite a compra de vacinas por empresas é resultado de iniciativa do próprio presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que ganhou o apoio de governistas e da oposição.
O texto prevê que a iniciativa privada possa comprar vacinas imediatamente, mas deve doar integralmente a quantidade adquirida para o PNI (Plano Nacional de Imunização). A condição deve durar enquanto os grupos prioritários (77,2 milhões de pessoas, incluindo idosos, pessoas com comorbidades e profissionais, como agentes de segurança) não forem imunizados.
Concluída a vacinação desses grupos, os empresários devem doar 50% das imunizações adquiridas para o PNI e são liberados para usar o restante em seus funcionários.
A proposta também autoriza o poder público a assumir responsabilidades impostas pelos fabricantes das vacinas –como imunidade para o caso de efeitos colaterais.
Após a aprovação no Congresso e a sanção presidencial, o governo fechou contrato de compra de vacinas da Pfizer. O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello resistia a comprar essa imunização, afirmando que as cláusulas impostas eram "leoninas".
Caso fosse aprovada a nova proposta, as empresas poderiam usar imediatamente metade das imunizações adquiridas para aplicar em funcionários e doar a outra parcela –mesmo durante a vacinação dos grupos prioritários.
A compra de vacinas por empresas pode envolver a cobrança de tributos como Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) e sobre Serviços (ISS).
No caso de vacinas e insumos importados podem ser cobrados o Imposto sobre Importação (II), IPI, ICMS e contribuição para PIS/Pasep-Importação e Cofins-Importação.
Em abril, o Senado aprovou uma PEC (proposta de emenda à Constituiçã0) que concede imunidade tributária, por três anos, a vacinas destinadas a combate de emergências de saúde pública, como esta pandemia. Na Câmara, o texto aguarda designação de relator para ser avaliada na Comissão de Constituição e Justiça.
O presidente do Senado tem dito a interlocutores que não vai colocar em pauta a proposta para ampliar a possibilidade de compra de vacinas pela iniciativa privada, por falta de acordo entre os líderes. Pacheco tem argumentado que a entrada da iniciativa privada na busca por vacinas pode inflacionar o mercado em um momento de pouca oferta.
Senadores favoráveis ao projeto votado na Câmara, como o líder do PSDB, Izalci Lucas (DF), dizem que não há clima para votar a proposta agora.
"Acho muito difícil. A maioria é contra essa possibilidade de ampliar a venda de vacinas. Talvez, depois que estiver quase todo mundo imunizado, haja algum clima para se discutir isso", afirma.
"Eu sempre defendi [a compra de vacinas por empresas]. A morosidade no governo é muito grande. Por mais que alguém diga que não tem vacina, o serviço privado acaba conseguindo."
O senador Nelsinho Trad (PSD-MS) explica que a resistência no Senado também se deve a alguns itens do projeto, que promovem uma liberação excessiva das normas para uso de vacinas. Um desses pontos é a autorização para a compra de vacinas que não receberam aval da Anvisa.
"A chance de prosperar não é muito boa. Esse projeto do Rodrigo [Pacheco] respeita critérios do Sistema Único de Saúde, pontos do PNI e faculta aos empresários que querem entrar numa fila de eventual aquisição a doação já agora de 100%", afirma.
"O outro [projeto] dribla isso, estabelece negociação direta com os produtores, sem passar pelo crivo das normatizações. Há o risco de adquirir uma vacina que não é adequada, como é o caso da Sputnik."
O relator da comissão temporária da Covid no Senado, Wellington Fagundes (PL-MT), também considera que o assunto está superado por uma lei parecida já estar em vigor.
"Ele é similar ao que já aprovamos. Não acho que prospera. Eu sou a favor que o país tenha vacinas para imunizar a população, as empresas podem até comprar, mas devem seguir o estabelecido no PNI."
Do lado da oposição, o principal foco de resistência é a suposta "inversão" da ordem de vacinação, que levaria em conta o aspecto financeiro.
"É um apartheid vacinal", afirma o líder da minoria, Jean Paul Prates (PT-RN), que argumenta que pessoas jovens e saudáveis poderão receber a vacina antes de idosos e pessoas com comorbidades.
"Essa lei vai sobrepujar a autoridade da Anvisa. E pessoas com comorbidade vão ficar atrás de funcionários do Luciano Hang [proprietário da Havan]. Ela estabelece um privilégio na vacinação."