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"Pressão religiosa prejudicou prevenção da aids", diz especialista

01 dez 2013 às 11:01

O Brasil precisa adotar uma postura mais incisiva na área da prevenção e da infecção por HIV para recuperar o protagonismo mundial no enfrentamento à doença. A opinião é do médico sanitarista e epidemiologista Pedro Chequer. Considerado um dos principais especialistas no tema no país, ele acredita que o Brasil sofreu um "grande retrocesso" nos últimos anos por, entre outras razões, ceder à pressão de grupos religiosos na condução das ações de resposta à epidemia.

Entre as medidas que simbolizam esse recuo, segundo ele, estão a suspensão pelo governo federal, em março deste ano, da distribuição de material educativo para prevenção da aids dirigido a adolescentes. O kit, formado por revistas de histórias em quadrinhos, abordava temas como gravidez na adolescência, uso de camisinha e homossexualidade.


"O Brasil pautou seu programa de aids na fundamentação científica e sempre foi exemplo para o mundo, promovendo campanhas de prevenção abertas, diretas e objetivas, voltadas principalmente às populações mais vulneráveis. De repente, vemos esse grande retrocesso e o Brasil sofre um revés político, deixando de ser vanguardista na área da prevenção e de campanhas", disse Chequer, que coordenou a política de aids do Ministério da Saúde e dirigiu o Programa Conjunto das Nações Unidas para o HIV e Aids (Unaids) no Brasil.


Ele ressaltou que ainda não é possível calcular o impacto dessas medidas, já que, diferentemente de outras doenças como o sarampo ou o cólera, os sintomas da infecção por HIV podem levar um longo período para se manifestar. O especialista destacou, também, que o Brasil vem promovendo avanços para ampliar a oferta de tratamento gratuito contra a aids para todos os adultos que sejam diagnosticados soropositivos, independentemente do estágio da doença. Há cerca de dois meses, o Ministério da Saúde submeteu a consulta pública um protocolo de atendimento prevendo que o tratamento seja fornecido ao paciente com aids, que tiver CD4 (células de defesa do organismo) acima de 500 para cada milímetro cúbico de sangue e que não apresentam os sintomas da doença. Pela regra atual, a rede pública de saúde fornece tratamento ao paciente com aids que tiver CD4 abaixo de 500 para cada milímetro cúbico de sangue.


Desde o início de 2013, também podem receber o tratamento casais sorodiscordantes - aqueles em que um dos parceiros tem o vírus e o outro não - com CD4 acima de 500 células para cada milímetro cúbico de sangue, pacientes que convivem com outras doenças, como tuberculose e hepatite, e pacientes assintomáticos com CD4 menor de 500.


A validação das proposições recebidas e a elaboração da versão final consolidada do protocolo será coordenada pelo Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, que deve finalizar o documento ainda este ano. Segundo o ministério, estudos internacionais mostram que o uso precoce de antirretrovirais reduz em 96% a taxa de transmissão do HIV.


"Ampliar a cobertura de tratamento é fundamental porque na medida em que as pessoas são tratadas, elas praticamente não transmitem o vírus. Quando não há transmissão, não há novas infecções. Mas isso [só vai ocorrer] se forem implantados serviços [de saúde] nas regiões mais distantes e criados processos de mobilização com campanhas na mídia, nas redes sociais, nos serviços comunitários e de saúde para promover a testagem", disse.

O Ministério da Saúde estima que atualmente cerca de 700 mil pessoas vivam com HIV e aids no país, mas 150 mil não sabem que têm o vírus ou a doença. Ao todo, 313 mil recebem tratamento com medicamentos antirretrovirais gratuitos. O Brasil registra, em média, cerca de 38 mil casos de aids por ano. Desde os anos 80, quando teve início a epidemia, foram contabilizados 656 mil casos. Procurada pela reportagem, a assessoria do Ministério da Saúde não comentou as críticas feitas pelo especialista.


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