Doar sangue é um ato de solidariedade ao próximo. Todos os anos, o Hemocentro de Londrina lança campanhas para repor seu estoque de bolsas de sangue que, quase sempre, está abaixo do necessário para atender a demanda.
Sabendo disso, o supervisor comercial Bruno Almeida, de 27 anos, procurou o local para fazer a doação. Para sua surpresa, foi considerado inapto por não ter uma parceira fixa. "Durante a triagem, respondi que não tive uma parceira fixa no último ano. A funcionária me disse que por esse motivo eu não poderia doar. Achei um absurdo".
De acordo com o artigo 34 da portaria 1.353, de 2011, do Ministério da Saúde, que regulamenta os critérios utilizados na seleção de doadores, deve ser considerada inapta para doação por 12 meses a pessoa "que tenha feito sexo com um ou mais parceiros ocasionais ou desconhecidos ou seus respectivos parceiros sexuais".
A portaria justifica a exclusão de pessoas que tiveram relações sexuais com mais de um parceiro ao longo de um ano por considerar este grupo mais suscetível ao risco de se infectar e propagar Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs).
"Solteiros que tiveram apenas duas relações sexuais ao longo de um ano podem doar. Acima desse número, o doador fica proibido por 12 meses", explica a bioquímica do hemocentro do Hospital Universitário (HU) de Londrina, Sandra Regina Quintal Carvalho.
Este é apenas um dos pontos polêmicos da portaria. O documento ainda considera inapto pelo período de um ano homens que tiveram relações sexuais com outros homens e suas parceiras, mesmo com o uso de preservativo.
"Para [homem que fez sexo com outro homem] doar, precisa ter ficado um ano sem parceiro e sem ter tido relações sexuais ao longo desse período", justifica Sandra.
O Ministério da Saúde entende que este tipo de medida ainda é necessária, uma vez que, baseado em estudos, homens que fazem sexo com outros homens têm uma predisposição maior a contrair DSTs.
Na prática, se dois homossexuais forem casados ou viverem em relacionamento estável, nenhum poderá doar sangue. Para isso, eles teriam que se separar e passar um período de um ano sem ter relações sexuais. Na portaria, não há impedimento para lésbicas e suas parceiras.
Apesar da restrição entre homens, no 5º parágrafo da portaria há um contrassenso: "a orientação sexual (heterossexualidade, bissexualidade, homossexualidade) não deve ser usada como critério para seleção de doadores de sangue, por não constituir risco em si própria".
Para o promotor Paulo Cesar Vieira Tavares, da Promotoria de Defesa da Saúde Pública de Londrina, a portaria deveria ser alterada. "O Ministério da Saúde poderia criar mecanismos para que o casal homossexual que vive em união de casamento doasse sangue. O Estado deveria ser mais sensível, avaliar caso por caso", defende.
Juntos há nove anos e comemorando três anos de união estável, o casal Mauro Aparecido Rodrigues, de 28 anos, e Marcos de Lima, de 46 anos, também concorda que é necessária uma modificação no documento. "Tanta gente precisando de sangue e nós não podemos ajudar. É o cúmulo, absurdo", desabafa Marcos. "Não é a homossexualidade que vai dizer ou não se você é saudável, mas sim o exame. Para mim, essa portaria é só mais uma forma de discriminação contra os homossexuais".