Bárbara Winter tinha 7 anos e estava brincando na casa da avó quando menstruou pela primeira vez. Ela lembra de achar que "estava morrendo".
Ninguém havia explicado para ela o que estava acontecendo e como seu corpo mudaria daí em diante. Em 2004 não havia TikTok, Instagram e o acesso à internet era restrito. Suas amigas e seus parentes nunca tinham falado do assunto.
Leia mais:
Saúde alerta para a necessidade da vacinação contra a coqueluche para conter o aumento de casos
Falta de Ozempic em farmácias leva pacientes à busca por alternativas
Brasil recupera certificado de eliminação do sarampo após cinco anos
Campanha médica promove evento focado na prevenção de arritmias em Londrina
"Fui correndo na vizinha e ergui a saia na frente de todo mundo gritando que estava morrendo. Minha avó e minha mãe me explicaram que eu estava menstruada, e disseram que eu não devia ficar contando para todo mundo na escola."
A jovem chegou a ir em um endocrinologista e descobriu que de fato havia entrado em puberdade precoce, pois já apresentava características como aumento de seio e pelos pubianos antes dos sete anos. O tratamento para atrasar a menarca (primeira menstruação) começaria em maio de 2005, mas o sangramento chegou mais cedo, em dezembro de 2004, impossibilitando o início do tratamento com medicações que bloqueiam temporariamente os hormônios envolvidos no desenvolvimento puberal.
Segundo a endocrinologista pediátrica Ludmila Pedrosa, a primeira menstruação deve ocorrer a partir dos 10 ou 11 anos, e os primeiros sinais de puberdade aos 8 ou 9 -inicialmente com o surgimento do broto mamário. Antes disso, é considerado precoce.
Um estudo realizado na JAMA Pediatrics entre 1977 e 2013 confirma que, em dezenas de países, a idade da puberdade em meninas diminuiu cerca de três meses por década desde 1970.
Sonir Roberto Rauber Antonini, professor da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto e presidente do Departamento de Endocrinologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) explica que no começo do século 19 a menstruação era entre 14 e 17 anos de idade. Na primeira metade do século 20, caiu por perto dos 14 anos de idade. Em 1950, chegou a 12 e 13 anos.
De acordo com uma publicação do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente da Fiocruz, em cerca de 90% dos casos a puberdade precoce é um distúrbio sem causa definida. Entretanto, já se sabe que alguns fatores podem interferir para que isso aconteça.
Segundo a mesma pesquisa da JAMA Pediatrics, a obesidade é um fator importante, embora não explique totalmente a mudança.
Fatores como estresse, ambientes domésticos abusivos e maior exposição a produtos químicos com disruptores endócrinos também são hipóteses.
"O que definitivamente se sabe é que o excesso de peso adianta a puberdade sim. Uma das razões é que o tecido adiposo, a gordura, produz um hormônio chamado leptina, que atua no Sistema Nervoso Central e estimula o hipotálamo a começar a puberdade mais cedo", afirma Antonini.
Quais são os riscos de uma menstruação antes da hora?
A principal consequência de uma menstruação precoce é fazer com que a altura adulta final da criança seja menor do que sua altura genética potencial. Ou seja, ela pode parar de crescer antes da hora e ter baixa estatura na fase adulta, diz Pedrosa.
Mas os riscos podem ir além. Um artigo publicado no Journal of Pediatric and Adolescent Gynecology, em maio de 2022, descobriu que a puberdade precoce coloca as meninas em maior risco de obesidade, diabetes tipo 2, câncer de mama e doenças cardíacas. Por isso, segundo Pedrosa, é fundamental o acompanhamento médico frequente desde cedo.
"Um fato muito importante quando falamos de puberdade precoce é o risco maior de abuso sexual e gravidez", diz o presidente da SBEM. "Estudos mostram que meninas precoce têm maiores níveis de ansiedade e estresse".
Falar sobre o assunto é importante
Um ponto-chave para que os jovens não sofram tanto ao entrar nesta nova fase, segundo Pedrosa, é a família e a escola estarem abertas ao diálogo.
Às vésperas de uma viagem da escola, a paulistana de então 9 anos Mariana Stocco menstruou pela primeira vez. A mãe dela já havia explicado o que era menstruação e o que aconteceria com o corpo. "Foi uma surpresa acontecer tão cedo, mas não uma surpresa por menstruar em si."
Ana Carvalho, 24, entrou em puberdade precoce e usou sua experiência com a menstruação precoce para ajudar colegas. "A primeira vez que falei sobre isso com alguém da escola foi quando outra menina menstruou em sala de aula e daí conversei com ela para contar que eu sabia."
A menarca é um processo natural e deve ser encarado como parte da vida da criança, que começa a entrar na adolescência. Quando isso acontece precocemente, a criança muitas vezes ainda não está preparada psicologicamente para a menstruação. Por isso, é fundamental que não exista vergonha ao falar sobre isso.
"É uma questão que tem que ser construída desde cedo. É criada em família, com confiança, de poder conversar, de poder expor os medos. Quanto antes a gente começa a abordar de forma muito natural essa questão da sexualidade do próprio corpo e do autocuidado melhor", diz Pedrosa, a endocrinologista pediátrica.