Os processos judiciais que envolvem erros médicos no Paraná rendem mais condenações que a média nacional. A constatação é de uma pesquisa realizada pelo advogado Raul Canal, presidente da Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética (Anadem). Segundo ele, entre 2001 e 2014, dos 90 processos que tramitaram na Justiça do Paraná, 80,56% resultaram na condenação de profissionais ou instituições. A média nacional de condenações perfaz pouco mais que a metade deste índice: 42%. Os resultados completos serão publicados em abril no livro "O pensamento jurisprudencial brasileiro sobre erro médico", disponível no site do autor.
Canal acredita que o maior índice de condenações no Estado não tenha a ver com condutas médicas "piores" em relação ao resto do País, mas provavelmente com maior rigor do sistema judiciário e advogados competentes para produzirem provas. "Normalmente, ganham os que possuem as melhores provas, mas nem sempre quem tem o melhor direito", diz, explicando que todas as condenações são relativas a situações que geraram dano corporal ao paciente. "São casos em que o agir culposo do médico por si só causou o dano", esclarece.
A pesquisa identificou que a morte dos pacientes motivou 22,9% dos processos. Em seguida aparecem dores, sofrimentos e aborrecimentos (16,67%), sequelas motoras (13,54%), sequelas neurológicas (7,29%) e cegueira (6,25%). Outro dado interessante diz respeito ao gênero de vítimas e acusados. Enquanto as mulheres figuraram em 57,95% dos processos como parte da acusação, a maioria esmagadora dos réus – 78,26% - é do sexo masculino.
Uma boa notícia identificada pelo estudo é que, no Paraná, apenas 11% dos processos envolvem agentes públicos de saúde, contra uma média de 25% a 30% no Brasil. Canal esclarece, porém, que não dá para afirmar que a qualidade dos serviços seja superior apenas com base nestes dados. "A pesquisa é um espelho dos processos, e não dos problemas", argumenta.
O pesquisador afirma que "ruídos" na relação entre médicos e pacientes são quase sempre os motivadores dos processos. "As vítimas relatam que o profissional foi arrogante e tratou mal, o que gera insatisfação e leva à discussão na Justiça", acredita. Ele destaca que o interesse do médico em tentar resolver o problema do paciente muitas vezes é suficiente para evitar que a questão vire um imbróglio judicial.
"Com a especialização cada vez maior da medicina, é comum os médicos enxergarem apenas os órgãos, e não os seres humanos que estão na frente deles. A isso se somam a pressa, o estresse e as extensas filas de pessoas esperando o atendimento", comenta.
Dados levantados pelo pesquisador mostram que, de 2001 a 2011, os processos de erro médico em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) aumentaram 1.600%. Nos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs), de 2001 a 2014 o aumento foi de 302%. "Atualmente, 7% dos médicos brasileiros respondem a processo", alerta. Diante deste quadro, ele defende a humanização da medicina como o caminho para reduzir as consequentes condenações. "Conhecer a história pessoal, os dramas e carências dos doentes é fundamental para um bom atendimento", aconselha.
Comunicação difícil
NO CRM do Paraná, foram julgados 120 processos em 2013, com aumento para 232 casos em 2014. Já as sindicâncias abertas diminuíram de 978 para 806 no mesmo período. O médico Roberto Issamu Yosida, corregedor geral do CRM-PR, afirma que, na verdade, os números mantêm-se em uma média no decorrer dos anos.
A maioria das denúncias recebidas relaciona-se com a "quebra na relação entre médico e paciente". "A dificuldade de comunicação entre as partes gera desconfiança", acredita. Segundo o corregedor, a grande maioria das sindicâncias diz respeito a situações em que os pacientes não entenderam a conduta do médico e por isso sentiram-se lesados. "A orientação do CRM é agir com tempo e paciência para conversar com pacientes. Mas nem sempre a correria do dia a dia dos médicos permite. Não é à toa que grande parte das denúncias envolve atendimento em plantões de pronto-socorro", argumenta.
Ele esclarece que todas as denúncias que chegam ao conselho são apuradas. "Mas os casos em que houve apenas dificuldade de comunicação são normalmente arquivados", afirma. As situações que envolvem óbito são as mais difíceis. "O médico é treinado para o sucesso, mas muitas vezes a morte é inevitável. Se a comunicação fica difícil, a família pode não entender que não havia mais nada a ser feito. Fica a dúvida se condutas diferentes poderiam trazer um resultado diferente e aí é feita a denúncia", diz.
Yosida orienta que qualquer pessoa que sinta-se prejudicada pode procurar o conselho pessoalmente ou através do site. "É sempre bom ter documentos para comprovar o que está sendo dito", destaca, lembrando que a entidade é um "tribunal de ética" que segue trâmites previamente estabelecidos. O primeiro passo é ouvir as partes e analisar os documentos. Em seguida o caso é votado em uma câmara de sindicância que reúne de cinco a 11 conselheiros. "Se há indícios de irregularidades, a sindicância se transforma em processo."
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