O avanço da vacinação contra a Covid-19 em todo país fez com que, consequentemente, houvesse uma queda nas internações nas UTIs. Com isso, estados e municípios estão retomando as cirurgias eletivas e consultas especializadas no SUS que haviam sido suspensas durante a pandemia. Contudo, o momento ainda exige cautela, em virtude do avanço da variante delta e do aumento das aglomerações em todo o país.
Em 2020, ao menos 1 milhão de cirurgias não urgentes foram suspensas na rede pública de saúde. Nos primeiros meses de 2020, as internações chegaram a cair 30% e as consultas especializadas, 64%. Só o município de São Paulo tem uma fila de 130 mil pacientes à espera de cirurgias eletivas e 345 mil consultas com especialistas..
Alguns locais, como a capital paulista, haviam voltado a agendar esses procedimentos no fim do ano passado, mas, a partir de março deste ano, com recrudescimento da pandemia e a consequente falta de leitos de UTI e de medicamentos usados na intubação de pacientes, como bloqueadores neuromusculares e sedativos, as operações voltaram a ser canceladas.
Estados como Minas Gerais, Paraná, Ceará, Piauí e Mato Grosso já anunciaram a retomada desses procedimentos mas a decisão deve ser oficializada em assembleia do Conass (Conselho Nacional de Secretários da Saúde) no próximo dia 28. Outros, como o Ceará, estão retomando de forma escalonada e com critérios de prioridade.
No primeiro ano da pandemia, as cirurgias de hérnias abdominais, as mais frequentes no SUS, caíram 69% segundo dados da Sociedade Brasileira de Hérnia.
Entre 2020 e 2021 foram realizados 119,3 mil procedimentos cirúrgicos nessa área, sendo 36,4 mil em caráter de urgência. Em 2019, o número de cirurgias chegou a 387,3 mil, sendo 45 mil urgências.
"A partir deste ano, o impacto das cirurgias canceladas começou a aparecer. Têm chegado aos serviços de emergência pacientes em situações mais complexas, com hérnias maiores e mais complicadas", diz o cirurgião Christiano Claus.
Mauro Junqueira, secretário-executivo do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), afirma que vários municípios já começam a desmobilizar leitos de UTI Covid para retomar as cirurgias eletivas e começar a dar vazão ao acúmulo. "São principalmente cirurgias que não requerem medicamentos de intubação orotraqueal, como os anestésicos."
De acordo com ele, além da saturação do sistema nos picos da pandemia, muitos pacientes não procuram o sistema de saúde por receio da contaminação. "Quando a população sentir que está imunizada, que todo munido já tomou pelo menos a primeira dose, a gente espera ter uma procura muito grande nas unidades de saúde e teremos uma dificuldade gigante."
Segundo Frutuoso, do Conass, os estados ainda estão levantando qual a demanda reprimida e como ela será absorvida na rede pública a partir dos próximos meses. Porém, a preocupação com a pandemia ainda está no horizonte. No Brasil, até agora, somente pouco mais de 20% da população com mais de 18 anos está totalmente imunizada.
"É preciso cautela. A média móvel dos casos de Covid ainda está acima da do ano passado, não dá para relaxar. Ainda mais com esse avanço da variante delta", afirma.
Além dos atendimentos represados em 2020, Frutuoso lembra que o sistema de saúde está sendo pressionado também pelo agravamento de pacientes crônicos, dos sequelados da Covid e do acúmulo de pacientes com doenças mentais. "O sistema vai ter que dar conta de tudo isso."
Com a flexibilização das medidas de distanciamento social, os acidentes de trânsito, que haviam sofrido redução em 2020, voltaram a crescer, e os casos graves somam-se aos outros pacientes que demandam leitos.
O Parará, em especial a capital, Curitiba, vê com preocupação o aumento de acidentes e casos de violência. As cirurgias foram liberadas desde o início de julho, mas, entre os dias 9 e 10 deste mês, uma sexta e um sábado, houve fila de ambulâncias nos três prontos-socorros da cidade. As instituições entraram na chamada "vaga zero", quando não há condições de receber mais pacientes.
Nessa retomada das cirurgias eletivas, os gestores de saúde consideram que a telemedicina terá um papel crucial, especialmente nas consultas especializadas, que historicamente representam um grande gargalo no SUS.
Há vários projetos em curso. Um deles é executado por um grupo de hospitais de excelência que fazem parte do Proadi-SUS (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde) e ajudam na regulação de filas de espera de consultas especializadas.
Segundo Sabrina Dabosco, gerente de projetos do Hospital Sírio-Libanês, como durante a pandemia os ambulatórios de consultas especializadas ou interromperam o atendimento ou diminuíram a oferta de vagas, o projeto passou a oferecer consultas virtuais a pacientes do Recife (PE), de Porto Alegre (RS), do Distrito Federal e de todo o estado do Amazonas.
Foram realizadas 9.000 teleconsultas em 16 especialidades, como cardiologia, neurologia, psiquiatria e ortopedia. "Tivemos um olhar especial para os pacientes crônicos que poderiam descompensar as suas condições de saúde."
O atendimento é feito por meio do próprio celular do paciente. Cerca de 44% dos pacientes tiveram seus problemas solucionados por teleconsulta e foram orientados a voltar para a rotina de atendimento na atenção primária. O restante foi encaminhado para um atendimento presencial com especialistas.