Um estudo realizado por um grupo internacional de cientistas, com participação brasileira, e publicado na revista Nature Medicine explica como em áreas endêmicas de malária é comum que as pessoas sejam picadas diversas vezes pelo mosquito que transmite a doença sem serem contaminadas várias vezes. A pesquisa mostra que uma restrição de ferro causada no fígado do hospedeiro faz com que a própria infecção pelo parasita da malária previna a ocorrência de uma segunda infecção.
De acordo com os autores, o estudo poderá ter impacto nas políticas mundiais de saúde que indicam suplementação de ferro para crianças anêmicas. Em áreas endêmicas para malária, a administração de ferro pode ocasionar, segundo o estudo, superinfecções.
O trabalho foi realizado no Instituto de Medicina Molecular (IMM), em Lisboa (Portugal), com participação de cientistas da Universidade de Oxford (Reino Unido). A pesquisa foi coordenada por Maria Mota, diretora da Unidade de Malária do IMM, e teve colaboração de Sabrina Epiphanio, do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
De acordo com Epiphanio, que trabalha há nove anos com temas relacionados à malária, o trabalho publicado pelo grupo internacional é um dos raros que aborda simultaneamente as fases hepática e sanguínea da malária, simulando a situação de uma área endêmica na qual as vítimas podem ser picadas diversas vezes pelos insetos transmissores.
"Utilizamos modelos de camundongos infectados pela malária já na fase sanguínea e os infectamos pela segunda vez com a fase hepática. Quando medimos a infecção no fígado dos animais, observamos que a resposta da segunda infecção era muito mais baixa do que a primeira. Isso talvez explique por que nem todos que contraem a doença em áreas endêmicas vão a óbito", disse.
O próprio sistema funciona como um mecanismo de controle. Se a resposta da segunda infecção fosse tão intensa como a primeira, o hospedeiro teria uma superinfecção, desenvolvendo uma forma mais severa da doença, como uma malária cerebral, uma anemia severa, ou uma síndrome respiratória. Nesses casos, o índice de mortalidade é muito mais alto e a reversão do quadro clínico se torna muito difícil.
"Nossa primeira suspeita foi que a proteção proporcionada pela segunda infecção estaria relacionada a uma resposta do sistema imune. Mas realizamos uma série de experimentos com insetos deficientes para linfóticos e verificamos que isso não afetava o fenótipo: independentemente da resposta imunológica, o impacto da segunda infecção era sempre menor", disse a pesquisadora.