O governo federal decidiu, após meses de negociações e embates, comprar doses das vacinas da Pfizer e da Janssen (braço farmacêutico do laboratório Johnson & Johnson).
Um acordo inicial com a Pfizer foi confirmado em reunião com a empresa na última quarta-feira (3) e segue agora para assinatura do contrato. A negociação envolve a oferta de cerca de 100 milhões de doses -9 milhões até junho, cerca de 31 milhões até setembro e 60 milhões até dezembro.
Já em reunião com a Janssen, a pasta recebeu do laboratório uma sinalização de oferta de 38 milhões de doses. A expectativa é que os acordos sejam formalizados ainda nesta semana.
Mais cedo, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, pediu a auxiliares celeridade no contrato para compra de doses das duas empresas.
A decisão ocorre após aprovação de um projeto de lei no Congresso que visava destravar a compra dos dois imunizantes. A previsão de fechar o acordo também foi apresentada a representantes da Confederação Nacional dos Municípios, que estiveram em reunião com o ministro. Estados e municípios têm anunciado consórcios e a retomada de negociações para obter vacinas, devido à demora do governo federal.
Na última quarta (3), por exemplo, o secretário municipal da Saúde de São Paulo, Edson Aparecido, anunciou que a prefeitura estava negociando a compra das duas vacinas contra a Covid-19, fora do Programa Nacional de Imunizações.
"Temos uma primeira reunião com a Janssen nesta tarde. Com a Pfizer, já tivemos dois contatos e esperamos retorno.
Estamos tentando ver todas as possibilidades para avançar para uma futura compra", afirmou o secretário à Folha de S.Paulo.
O país vive o momento mais grave da pandemia, com relatos de colapso no sistema de saúde em diferentes estados e recordes sucessivos de mortes por Covid-19, o que tem aumentado as críticas à pasta pelo atraso nas negociações para obter vacinas contra a doença.
A vacina da Pfizer também foi a primeira a obter registro final na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O aval a colocou à frente das vacinas Coronavac (Butantan e Sinovac) e Covishield (AstraZeneca e Universidade de Oxford), que obtiveram aval para uso emergencial -essa modalidade só permite a oferta dos imunizantes para um público mais restrito (os grupos de maior risco, como idosos e profissionais da saúde) e de forma temporária. A vacina também teve eficácia global de 95% em testes clínicos.
A pasta negociava 100 milhões de doses da Pfizer, número que foi praticamente mantido no acordo prévio com a empresa. Nos últimos meses, porém, o governo vinha fazendo críticas à empresa, alegando que cláusulas "leoninas" impediam de fechar o contrato.
A principal crítica era em relação a uma cláusula que previa isenção de responsabilidade da empresa em caso de eventos adversos da vacina, mas, segundo especialistas, trata-se de uma cláusula já usada em outros países. Além disso, a cláusula que isentava a AstraZeneca de responsabilidade por eventuais eventos adversos e danos relativos à vacina de Oxford não impediu que governo fechasse contrato com a empresa ainda em 2020 por meio da Fiocruz.
Ainda assim, o governo continuava a utilizar as cláusulas como argumento para não fechar o contrato que já era negociado desde maio. Agora, a justificativa de auxiliares do ministro é que o projeto aprovado no Congresso -que previa a possibilidade de que União, estados e municípios assumam riscos para a compra e contratem seguros- ajuda a resolver essa questão.
Pazuello gravou um vídeo no momento da reunião com a empresa em que cita o projeto como fator para a negociação. No encontro, em que membros do laboratório participaram de forma virtual, ele e outros integrantes da pasta aparecem sem máscara, em espaço fechado, mesmo com o agravamento da epidemia. "Estamos discutindo a compra de doses da vacina da Pfizer, que hoje se torna realidade a partir do projeto de lei que passou pela Câmara. E a proposta de cronograma é uma boa proposta, e partir de agora seguimos nos trâmites de fazer esse contrato o mais rápido possível", disse.
No início da noite, a pasta publicou, em edição extra do Diário Oficial da União, dois avisos de dispensa de licitação para compra de doses da Pfizer e Janssen, ambos com entrega até dezembro de 2021.
O valor total a ser investido nos contratos ainda deve ser confirmado.
Embora tenha ocorrido em meio a menos atritos públicos em relação à Pfizer, as negociações com a Janssen também já se estendiam há vários meses, sem grandes avanços. Agora, a previsão é que o contrato seja acelerado.
O imunizante foi aprovado nos EUA no último sábado (27), e na semana passada a agência regulatória americana divulgou uma análise da vacina de dose única que mostrou que o imunizante tem eficácia global de 72%, seis pontos percentuais acima do indicando preliminarmente.
A proposta que caminha para se tornar um contrato não foi a primeira oferta da Pfizer ao governo. A primeira proposta, de 14 de agosto do ano passado, previa 500 mil doses ainda em 2020, totalizando 70 milhões até junho deste ano.
Quatro dias depois da primeira proposta, houve um rearranjo do cronograma, aumentando o número de doses a serem entregues em dezembro de 2020 para 1,5 milhão. Mesmo assim, a oferta não foi aceita.
Em 11 de novembro, houve nova oferta. Desta vez, as 70 milhões de doses começariam a serem entregues em janeiro e fevereiro, quando poderiam ser oferecidas 2 milhões de doses.
De acordo com relatos de pessoas envolvidas nas negociações, em 7 de dezembro, o Ministério da Saúde indicou a Pfizer que poderia avançar no entendimento em cima da proposta apresentada no mês anterior. Era uma reação ao anúncio feito pelo governador João Doria (PSDB-SP) naquele dia, quando disse que a vacinação no estado começaria em 25 de janeiro.
O contrato não foi assinado e Bolsonaro teve que assistir ao seu adversário político vacinar a primeira brasileira, a enfermeira Mônica Calazans, em 17 de janeiro, com a Coronavac.
Em 15 de fevereiro, segunda-feira de Carnaval, a Pfizer fez nova oferta ao governo brasileiro, esta que está em vigor, de cerca de 100 milhões de doses. O incremento de 30 milhões foi possível graças a uma reforma na fábrica que a empresa tem na Bélgica, o que permitiu dobrar a produção.
Ao longo das negociações, além das cláusulas, outra justificativa apresentada pelo ministério para evitar a compra era a dificuldade de armazenamento da vacina, que deve ser mantida a -60C e protegida da luz, em meio a falta de estrutura da rede atual do governo.
A empresa, porém, deve disponibilizar caixas térmicas para o transporte das doses, de acordo com membros do ministério. Além disso, dados divulgados pela Anvisa mostram que a vacina é estável por até cinco dias em temperaturas de 2C a 8C, e em até duas horas em até 30C antes de ser diluída e utilizada.