Após funcionários de hospital provarem que tomaram vacina vencida, a Prefeitura de Santos convocou profissionais de saúde de três unidades para um processo de revacinação nesta quinta (8).
A municipalidade não confirmou quantos cidadãos estão nessa situação. Disse apenas que são colaboradores do Complexo Hospitalar dos Estivadores, do Hospital de Campanha Vitória e do Ambulatório Médico de Especialidades Dr. Nelson Teixeira.
O anúncio, feito nesta quarta (7) à noite, ocorreu após a prefeitura ter sido procurada para prestar esclarecimentos sobre a situação de três pessoas que mostraram à reportagem os seus cartões de vacinação.
As três trabalham no Complexo Hospitalar dos Estivadores e, segundo relato de uma delas, o problema pode ter afetado pelo menos 70 colegas da unidade.
Como o jornal Folha de S.Paulo mostrou na sexta-feira (2), dados oficiais do Ministério da Saúde indicam o registro de 26 mil pessoas vacinadas com doses vencidas da AstraZeneca –358 das quais em Santos, a maioria delas no Complexo Hospitalar dos Estivadores. Diversas prefeituras têm afirmado que se trata de erro no preenchimento do sistema, não de falha na aplicação do imunizante.
Segundo a prefeitura, o Instituto Social Hospital Alemão Oswaldo Cruz, que administra o complexo, abriu procedimento interno para rastrear erros de aplicação ou de cadastro no sistema. Além disso, ainda de acordo com nota da prefeitura, a entidade acionou o plano de contingência para acompanhar os profissionais de saúde da unidade.
Num primeiro momento, quando a reportagem procurou a prefeitura, não havia definição sobre revacinação. Depois, nesta quarta (7) à noite, a data foi estabelecida.
As três pessoas com as quais a reportagem entrou em contato pediram para suas identidades serem preservadas, pois temem represálias. Duas delas autorizaram a reprodução do cartão, desde que a reportagem ocultasse seus nomes.
Segundo o cartão de vacinação e o registro digital oficial dessas três pessoas, as vacinas foram da AstraZeneca, lote 4120Z005, com vencimento em 14 de abril. A primeira e a segunda doses foram do mesmo lote.
As doses para a segunda aplicação foram armazenadas para serem ministradas após um intervalo de três meses, como estipula a Anvisa. O problema é que, nos casos identificados pelo jornal, essa segunda aplicação ocorreu pelo menos uma semana depois de ter expirado o prazo de validade do imunizante.
Em nota, a prefeitura diz ter identificado erro na aplicação da segunda dose de 15 de abril a 5 de maio.
A reportagem tentou falar com mais profissionais do complexo hospitalar, mas a maioria preferiu não se manifestar por medo de demissão e por receio de prejudicar a imagem do local em que trabalham.
Uma das pessoas com as quais a reportagem conversou chegou a comentar seu caso em redes sociais. Seu post foi rebatido com ataques pessoais e ao jornal.
Segundo essa mesma pessoa, seu caso foi levado ao hospital para saber como agir. A resposta que recebeu, segundo seu relato, foi protocolar: esperar orientações da Secretaria Municipal de Saúde. Além disso, diz ter ouvido sobre tomar vacina vencida: "Não é grande coisa".
Segundo esse relato, o hospital em nenhum momento ofereceu qualquer tipo de apoio aos profissionais de saúde que tomaram doses vencidas.
O Instituto Social Hospital Alemão Oswaldo Cruz, que administra o Complexo Hospitalar dos Estivadores, não se manifestou até a publicação deste texto, salvo por meio de nota da prefeitura.
De acordo com o protocolo, em caso de erro vacinal, a pessoa deve ir ao posto de saúde para receber orientações e ser monitorada. Além disso, deve receber uma nova dose da vacina pelo menos 28 dias depois da aplicação com erro.
Outra pessoa que trabalha no hospital e que recebeu dose vencida diz que tem recebido contatos frequentes da administração do local desde sábado (3). Segundo esse relato, às pessoas que receberam vacina fora da validade são feitas perguntas para saber como se sentem e é oferecido apoio de psicólogo e infectologista.
Ainda não há, no entanto, uma definição sobre afastamento das atividades. A orientação, segundo conta, é para continuarem trabalhando normalmente.
Na semana passada, a prefeitura de Santos tinha afirmado em redes sociais que não houve distribuição de lotes com data de validade vencida. Alguns munícipes, preocupados, interagiram com o perfil oficial e receberam respostas assertivas: "Santos não aplicou vacinas vencidas".
Procurada pela reportagem para esclarecer a interação nas redes sociais, a prefeitura afirmou que tais mensagens decorreram de uma manifestação equivocada de um funcionário. Disse ainda que a intenção era a de explicar que a administração municipal não era responsável pela aplicação das vacinas, e sim pela distribuição, e que esta foi feita dentro do prazo de validade dos imunizantes.
A prefeitura também disse à reportagem que abriu sindicância para apurar o caso e as responsabilidades.
Segundo a prefeitura, o lote da AstraZeneca foi repassado no dia 26 de janeiro a hospitais, unidades de pronto atendimento e Samu, que ficaram responsáveis pela armazenagem, controle e aplicação da vacina aos profissionais de saúde.
"Fica esse jogo de empurra-empurra. A prefeitura é responsável e o governo federal tem de supervisionar tudo isso", diz Maurício Nogueira, professor da Faculdade de Medicinade São José do Rio Preto e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Virologia. "Parece aquele ditado: filho feio que ninguém quer ser o pai."
Para o epidemiologista da USP Paulo Lotufo, não existe delegação de responsabilidade nesse caso. "O SUS é tripartite, com responsabilidade distinta das esferas de governo. No caso da administração da vacina, é das secretarias municipais de saúde. A secretaria pode até punir o executor, mas a responsabilidade perante o cidadão é da prefeitura", diz.
De acordo com informações da Sage (Sala de Apoio à Gestão Estratégica), plataforma que registra os comprovantes de entrega dos imunizantes contra Covid-19 por estado, o lote de AstraZeneca 4120Z005 chegou ao Brasil e foi distribuído pelo Ministério da Saúde em janeiro.
O Ministério da Saúde não atendeu a reportagem até a publicação deste texto para comentar o caso específico de Santos.