Pétalas de flores fluorescentes são pigmentadas com betalaínas, uma classe de produtos naturais coloridos presente também na beterraba (Beta vulgaris) e na planta conhecida como primavera (gênero Bougainvillea).
Pesquisadores do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), que estudam a ocorrência de betalaínas na natureza, desenvolvem métodos para a preparação de derivados que possam ser usados para o diagnóstico e o tratamento de doenças como malária e câncer.
A pesquisa "Pigmentos betalâmicos de flores: fluorescência e capacidade antirradicalar", apoiada pela FAPESP, foi coordenada por Erick Leite Bastos, professor do IQ-USP. O pesquisador também está à frente do projeto "Interações intermoleculares envolvendo betalaínas", com previsão para seguir até 2016.
"A quantidade de betalaínas existente nas pétalas de flores fluorescentes, como a onze-horas ( Portulaca grandiflora), é pequena demais para viabilizar um estudo. Por isso, extraímos a betalaína – que dá a cor magenta à beterraba e é abundante, mas não é fluorescente – e a transformamos no pigmento das flores. Esse processo é chamado de semissíntese ou síntese parcial", contou Bastos.
O passo seguinte foi investigar como essa betalaína interagia com células animais vivas. "Queríamos saber se a betalaína das flores se acumularia também no interior de células animais, visto que elas são encontradas dentro da célula vegetal. No entanto, ao incubar a substância com eritrócitos humanos (glóbulos vermelhos), uma célula muito simples, não observamos nenhuma marcação", disse.
Como as propriedades da betalaína das flores não favoreciam o seu acúmulo na célula modelo, o grupo desenvolveu uma betalaína artificial – chamada de betacumarina-120 (BtC-120) – que mantém o núcleo da substância natural, mas se acumula no interior de alguns tipos de células.
Em ensaios publicados na revista PLoS One, o grupo aplicou o BtC-120 em culturas de eritrócitos infectados pelo Plasmodium falciparum, um dos protozoários causadores de malária. A betalaína sintética – e atóxica – atravessou diferentes membranas e se acumulou no interior do parasita vivo, que ficou fluorescente.
Os cientistas tentam agora avaliar se a BtC-120 é capaz de distinguir o parasita de outras células. "O ensaio anterior foi feito com eritrócitos, que foi um ótimo sistema modelo. Nosso desafio é modificar o composto de forma a obter um marcador específico do parasita em meio a outros tipos de células", contou Bastos.
Na avaliação do pesquisador, a facilidade com que algumas drogas antimaláricas já conhecidas podem ser ligadas a betalaínas abre perspectivas para o uso desses pigmentos como ferramentas de entrega monitorada de medicamentos.
Câncer na mira
Estudos em andamento com a betacumarina-120 também mostraram que é possível usar betalaínas artificiais para marcar seletivamente células tumorais.
"Existem diferenças entre células tumorais e células sadias que estamos explorando para criar compostos fluorescentes que acumulem somente nos tumores, facilitando a sua remoção cirúrgica efetiva", disse Bastos.
Em parceria com a professora Renata Tonelli, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus de Diadema, o grupo do IQ-USP procura entender a relação entre a estrutura da betalaína e sua interação com células em cultura.
"Estamos caracterizando o transporte das betalaínas para dentro das células e o compartimento subcelular em que elas se acumulam", contou Bastos.
Segundo o pesquisador, a alta atividade antioxidante das betalaínas pode também influenciar processos oxidativos danosos para as células. "Ainda não sabemos qual a consequência, para as células, da internalização de betalaínas antioxidantes, mas elas podem influenciar as vias de morte celular", disse.
Os mecanismos de ação antioxidante de betalaínas vêm sendo investigados por Karina Nakashima, que conta com bolsa de mestrado da FAPESP.