A repercussão de casos de suicídio e tentativas de autolesão entre jovens, principalmente estudantes, aumentou a percepção entre gestores e especialistas de que é preciso falar mais sobre o tema, ainda muito estigmatizado. Eles afirmam que o número de ocorrências segue uma tendência mundial de crescimento de mortes autoprovocadas na faixa etária mais jovem.
As entidades educacionais não divulgam levantamento específico sobre casos de suicídio entre universitários, mas em vários estados, perdas abruptas recentes têm motivado a adoção de medidas e estratégias para debater o tema e prevenir mortes precoces.
Especialistas ouvidos pela Agência Brasil avaliam que jovens são mais suscetíveis aos sofrimentos emocionais e transtornos mentais, porque nesta fase há muita expectativa e insegurança em relação ao futuro. Além disso, são submetidos a muita pressão sobre decisões importantes que devem ser tomadas cada vez mais cedo, quando ainda não apresentam experiência e habilidades psíquicas para lidar com frustrações e situações de muita responsabilidade.
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"Essa fase de transição entre adolescência e a vida adulta acaba sendo conturbada, ainda mais na universidade, que é o lugar em que a pressão fica muito alta. Eu vejo por colegas do meu curso, pessoas que ficam adoecidas mentalmente pela exigência da academia", explicou o psicólogo Renan Lyra, mestrando da Universidade de Brasília.
Os psicólogos explicam que as ocorrências podem estar relacionadas também a um sofrimento psíquico, que não chega a ser uma doença mental.
Apesar da falta de pesquisas sobre o assunto, outro fator que pode estar levando os jovens a atentarem contra a própria vida são as exigências do mundo para ter sucesso e ser perfeito em tudo e a uma cultura que estimula a competitividade entre as pessoas e não proporciona a aceitação do diferente.
"Esse momento tem exigido muito dos jovens. Eles precisam estar hiperconectados, ser empreendedores, ter sucesso, dar conta de mil coisas ao mesmo tempo. E aí tem uma série de questões, tanto mais voltadas para o sucesso acadêmico, emprego e também as relações familiares e com os outros. As pessoas estão mais intolerantes com o diferente e isso também causa sofrimento", explicou o psicólogo Paulo Aguiar, membro do Conselho Federal de Psicologia (CFP).
Emergência médica
Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), o preconceito e o tabu em torno do tema ainda são os principais empecilhos para o diagnóstico precoce dos fatores de risco que podem levar a pessoa ao suicídio. A entidade alerta que cerca de 97% dos casos estão relacionados a transtornos mentais, como depressão (37%), bipolaridade, uso de substâncias psicoativas (23%), esquizofrenia e ansiedade (11%), entre outros.
"O índice de suicídio entre os jovens cresceu muito, porque nós temos hoje um consumo muito maior em relação ao uso de drogas, de álcool, de substâncias psicoativas de uma maneira geral. Isso levou a um desencadeamento maior de quadros psiquiátricos nos jovens, supressão do sono, pressão muito alta, ansiedade por resultado e performance. Isso fez com que os jovens ficassem mais sujeitos ao adoecimento", explicou o diretor e superintendente técnico da ABP, Antônio Geraldo da Silva.
O médico alerta que as doenças psiquiátricas têm ficado mais prevalentes, porque as pessoas não procuram ajuda e, assim, não têm acesso ao tratamento adequado. "Tem gente que vai precisar só de medicamento, tem gente que vai precisar só de psicoterapia e tem gente que vai precisar de psicoterapia e medicamento. Varia de pessoa para pessoa e do diagnóstico que é feito", completou o psiquiatra que é coordenador nacional da Campanha Setembro Amarelo (de prevenção ao suicídio)
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, por ano, mais de 800 mil pessoas tiram a própria vida, número que representa 1,4% de todas as mortes do mundo. Depois da violência, o suicídio é o fator que mais mata jovens entre 15 e 29 anos. Para cada suicídio, ocorrem 20 tentativas.
Segundo o Ministério da Saúde, o índice de lesões autoprovocadas, entre elas, as tentativas de suicídio, predomina em mulheres brancas, na faixa etária da adolescência (10 a 19 anos) e adultos jovens (20 a 39). O número pode ser maior, já que, segundo o ministério, apenas uma em cada três pessoas que tentam suicídio é atendida por um serviço médico de urgência que deve notificar os casos.
"Está mais do que claro que o suicídio é uma emergência médica. Se alguém falar sobre esse assunto, tem que levar para o médico, tem que procurar um psiquiatra, é um fato, é uma doença que mata", alertou o psiquiatra Antônio Geraldo da Silva.
Atendimento especializado
Em Brasília, seis em cada dez atendimentos de crise psíquica realizados pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) são relativos a pacientes entre 14 e 39 anos. A maioria deles foi atendida por apresentar comportamento suicida.
O serviço de urgência da capital federal é pioneiro no país em disponibilizar uma viatura exclusiva para atender casos de saúde mental. A equipe da viatura especializada conta com médicos psiquiatras, um assistente social ou psicólogo e um enfermeiro, todos capacitados para lidar com a chamada intervenção em crise.
Segundo Brenda Carla, enfermeira e gerente da Central de Informações Toxicológicas e Atendimento Psicossocial do Samu-DF, a viatura especializada atende a uma média de 150 casos por dia. Os chamados para intervenção em episódios de crises de saúde mental (com possibilidade de atentado à própria vida) duplicaram do ano passado para cá.
A enfermeira avalia que o aumento pode ter ocorrido pela maior sensibilização da sociedade ou de profissionais da saúde que têm notificado melhor as tentativas de autolesão. Ela ressalta que os números podem ser ainda maiores, uma vez que os casos são subnotificados e muitas ocorrências de suicídio são tratadas pelas outras viaturas como casos de atropelamento ou outro tipo de acidente.
Outro dado considerado preocupante é o aumento de chamados pelas escolas. Segundo a enfermeira, nos últimos meses, o Samu-DF atendeu pelo menos uma ocorrência por dia em ambiente escolar para socorrer adolescentes em crise.
A tendência motivou o serviço a estruturar um novo projeto para atualizar o chamado Samuzinho e trabalhar a prevenção de suicídios nas escolas. "Suicídio é uma das preocupações que a gestão pública tem que ter. Há 20, 30 anos nós não tínhamos o foco e a preocupação de que o quadro psíquico adoecia e matava", alerta Brenda Carla.
"Os quadros psíquicos geram grande impacto para saúde pública e a população tem tido quadros depressivos que desencadeiam quadro suicida. É uma realidade que precisa ser tratada e prevenida", completou Brenda.
O crescimento dos casos de saúde mental também motivou o Samu-DF a disponibilizar um profissional especializado em comunicação terapêutica no atendimento telefônico na Central 192. Esse profissional atua 24 horas para auxiliar no manejo de pacientes psiquiátricos, que demandam um tempo maior de atendimento do que a média normal - de dois a três minutos - que geralmente dispõem os outros médicos do Samu para decidir se enviam a viatura para a ocorrência.
Prevenção
A OMS alerta que 90% dos casos de suicídio poderiam ter sido evitados. E o Ministério da Saúde ressalta que as pessoas que já tentaram o suicídio devem ser o principal foco das ações de vigilância e de ações preventivas dos profissionais e serviços de saúde.
Em Brasília, o Samu acompanha os pacientes que sobreviveram à tentativa de suicídio. Os profissionais de saúde e assistentes sociais são orientados a ligar de três a cinco vezes para o paciente ou para algum contato de sua família para saber se ele está em tratamento.
"Não adianta o Samu ir lá atender se ele [o paciente] não for acompanhado. A gente volta a ligar para o paciente para monitorar e evitar que ele tenha reincidência ou recaída de comportamento. Se ele relatar alguma dificuldade, a gente faz contato com a rede para ver se consegue garantir o atendimento e evitar que o paciente recorra ao 192, ou seja, uma urgência", explicou Brenda.
Depois do atendimento de urgência pelo Samu, os pacientes são encaminhados para serviços da Rede de Atenção Psicossocial (Raps), como os Centros de Atendimento Psicossocial (Caps) ou o Adolescentro, serviço do DF que atende adolescentes de 10 a 18 anos de idade que tenham algum transtorno mental, tenham sido vítimas de violência ou necessitem de acompanhamento em outras áreas, como nutrição e ginecologia.
A gerente do Samu, entretanto, se queixa da pouca sensibilização dos profissionais de saúde, principalmente os que atuam nos prontos socorros, onde muitas vezes os pacientes psiquiátricos ou os que estão em risco iminente de tirar a própria vida não são classificados de maneira adequada e não são acolhidos com a mesma urgência que outros casos devido à ausência de traumas físicos, preconceito ou falta de informação.
"O que acontece muito é que a gente pega paciente com tentativa de suicídio visualizada, com planejamento, leva para o hospital para garantir sua integridade física e o tratamento. Mas o pessoal acha que esse paciente é um peso a mais na unidade de saúde e que é um absurdo atender ele e deixar outro com infarto", relatou Brenda.
"A própria população não tem entendimento e a gente tem trabalhado na humanização. Esse paciente é grave. É uma doença como as outras que precisam ser tratadas, acompanhadas e medicadas", completou.
É preciso falar
Uma das abordagens de prevenção aos fatores de risco do suicídio é falar sobre o assunto com pessoas próximas e profissionais especializados. Segundo especialistas, a questão de saúde mental, no entanto, ainda é estigmatizada e pouco compreendida não só no meio acadêmico, mas na sociedade de forma geral.
"As pessoas não querem falar das doenças mentais. E o que mata são as doenças mentais, isso é óbito por suicídio e as pessoas não estão prestando atenção nisso", alertou o psiquiatra Antônio Geraldo.
Para transformar esse imaginário social, alguns especialistas recomendam que a sociedade dialogue com mais naturalidade sobre as imperfeições, frustrações e saúde mental sem mitos, estigmatizações e preconceitos e crie ambientes que possam incorporar e aproximar as pessoas que têm passado por dificuldades emocionais ou psíquicas.
"A gente precisa entender que saúde mental faz parte da saúde do sujeito como um todo, não é uma coisa separada. E geralmente a gente separa, porque existe ainda, infelizmente, um imaginário social sobre o que é a doença ou o transtorno psíquico carregado de muito preconceito. Há um imaginário de que as pessoas que apresentam transtorno não vão dar conta, são fracassadas e, a partir disso, de alguma forma a sociedade isola e afasta essas pessoas", explicou o representante do Conselho Federal de Psicologia (CFP) Paulo Aguiar.
Para os psicólogos, a família e a escola podem ter papéis importantes se permitirem ou facilitarem o desenvolvimento da subjetividade e da saúde mental das pessoas, de forma que elas tenham capacidade para lidar com as situações difíceis de forma mais tranquila.
"O sujeito desenvolvendo sua subjetividade num ambiente que possa se expressar, ser respeitado, emitir sua opinião, construir suas ideias, tenha liberdade, isso tudo vai dando condição para que ele construa processos de subjetivação que possam deixá-lo mais fortalecido para enfrentar a vida", afirmou Aguiar.