Em meio ao agravamento da epidemia do novo coronavírus, o número de leitos de UTI habilitados pelo Ministério da Saúde para tratamento da doença -medida que permite que recebam recursos federais- tem tido queda nas últimas semanas e, nesse ritmo, pode chegar a zero em meados de março, segundo balanço de gestores estaduais de saúde.
Sem a adoção de novas medidas, o custeio desses leitos deve ficar a cargo apenas de estados e municípios, que apontam dificuldades de financiamento e até risco de fechamento de parte dessas estruturas.
Os dados são de balanço do Conass (Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde), que considera informações do próprio ministério e datas de vencimento de portarias de habilitação de leitos publicadas pela pasta.
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Questionado pela reportagem, o Ministério da Saúde negou o risco de redução de leitos e a falta de recursos. Nesta quarta (17), a pasta apresentou a governadores e secretários de saúde uma proposta de solução temporária a partir de uma mudança no modelo de pagamento. A previsão é que o tema volte a ser discutido na próxima semana.
O alerta dos estados, porém, não vem de agora. Desde o fim de 2020, o grupo pede apoio para manutenção e financiamento dos leitos.
Em 31 de dezembro, o Brasil tinha 9.480 leitos de UTI contra a Covid habilitados pelo Ministério da Saúde para receber recursos federais -o valor previsto é de R$ 1.600 por dia. Nesta terça (16), o total de leitos que ainda recebiam esses recursos era de 4.891 -queda de 48%.
E a previsão é que, se mantido o ritmo, haja nova queda nos próximos dias.
Isso ocorre porque, em geral, cada habilitação costuma durar 90 dias. Se consideradas as datas de vencimento das portarias ainda vigentes, o total desses leitos cairia para 4.542 em 23 de fevereiro, 3.372 em 3 de março e zero no dia 21 do próximo mês.
Ao longo da epidemia, 19,8 mil leitos de UTI chegaram a ser habilitados pelo ministério.
"Quando o ministério começa a desabilitar esses leitos, o primeiro impacto é financeiro, porque o estado passa a ter necessidade de bancá-los com recurso próprio. Se não houver solução, em um curto espaço de tempo, muitos não vão ter condições de manter e terão que fechar. É como ter um carro e não ter gasolina para andar", afirma Carlos Lula, presidente do Conass e secretário de Saúde do Maranhão.
Segundo ele, o apoio federal foi fundamental para expansão, na pandemia, do número de leitos de UTI, o que já era um gargalo do SUS.
A suspensão desse financiamento, porém, traz dificuldades, já que parte dos custos já são pagos pelos estados e municípios -a estimativa é que, na prática, cada leito custe até R$ 2.500 por dia.
De acordo com os gestores, a situação está ligada ao fim dos recursos extraordinários para o enfrentamento da pandemia, cuja validade ia até dezembro de 2020.
A situação levou o Ministério da Saúde a enviar um ofício à Economia em 30 de janeiro em que pede R$ 5,2 bilhões para o custeio de leitos de UTI e outras despesas da pandemia.
Na última semana, no entanto, um novo pedido feito à Economia reduziu o valor para R$ 2,8 bilhões. A pasta diz que a redução ocorreu porque a primeira demanda considerava valores para janeiro a junho. Já na segunda, os valores foram planejados até março -quando deve ser aprovado novo orçamento.
A proposta preparada pela Saúde prevê que sejam usados cerca de R$ 864 milhões de recursos não gastos em 2020 e liberados no fim do último ano para custeio dos leitos até março.
O valor de R$ 1.600 seria mantido, mas os recursos seriam repassados apenas após o uso, em uma espécie de reembolso. Para isso, estados teriam que comprovar a ocupação dos leitos.
Hoje, o pagamento é feito de forma adiantada, em uma estratégia que foi definida no último ano para garantir a manutenção dessas estruturas e facilitar a contratação de equipes para atuar nas UTIs.
"Em abril, haverá novas conversas com a equipe econômica para analisarmos a continuidade dessa política ou até fazer os ajustes necessários", diz a pasta.
Procurados, representantes dos gestores dizem que aguardam novas discussões e mais detalhes para se posicionar sobre a medida. Para alguns, a medida pode representar uma sinalização da pasta em busca de soluções. Para outros, porém, o alto número de leitos sem habilitação deve tornar difícil planejar um reembolso, o que, na prática, não resolveria o problema.
Uma versão inicial da proposta foi apresentada pelo ministro em reunião com governadores nesta quarta (17). Na ocasião, gestores apresentaram preocupação com o cenário da queda de financiamento e pediram que haja uma discussão mais aprofundada sobre o tema. Uma nova reunião deve ser feita na próxima semana.
Segundo Wellington Dias, governador do Piauí, o ministro assegurou o pagamento dos leitos. "Isso dá uma tranquilidade", disse.
Alguns governadores, porém, fizeram ressalva à possibilidade de mudança no modelo. "Ele [Pazuello] relatou que iria mudar o pagamento de pré-pago para pós-pago. O entendimento é de que o ministério está pretendendo, ao invés de pagar por leito habilitado, pagar apenas por leito utilizado. Mas o critério histórico do SUS não é esse", disse o governador da Bahia, Rui Costa.
"Se temos dez leitos de UTI, nós habilitamos e pagamos por dez leitos até porque a equipe que vai manter aquela UTI, sendo nove ou dez leitos ocupados, é a mesma. Não tem como reduzir o tamanho da equipe. O ministro, no nosso entender, finalizou concordando com isso, mas vamos aguardar a publicação da portaria", disse.
Nos últimos dias, em meio ao impasse, a queda no financiamento federal dos leitos chegou à Justiça.
O governo paulista entrou com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) para que o Ministério da Saúde retome o custeio. Atualmente, dos 4.900 leitos de UTI ativados na pandemia para a Covid em São Paulo, só 564 recebem verbas federais, ou cerca de 11% do total.
O mesmo ocorre em outros estados. No DF, por exemplo, são 120 leitos sem habilitação. "A queda no financiamento federal atinge todos os estados", diz a secretaria de Saúde.
Na Paraíba, de 305 leitos implementados, só 72 ainda têm habilitação do ministério.
Já não há mais leitos financiados pelo Ministério da Saúde no Maranhão, que também ingressou com ação no STF.
Para o secretário de Saúde de Santa Catarina, André Motta, a queda no financiamento dos leitos representa uma preocupação "principalmente num momento em que a pandemia está em fase de ascensão no país inteiro."
"De 800 leitos, tenho hoje cerca de 20% apenas habilitado pelo ministério, o que não é justo do nosso ponto de vista", afirma.
Questionado sobre a previsão de liberação dos recursos extras pedidos, o Ministério da Economia informou que o pedido ainda está em análise.