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Dúvidas sobre chegada de médicos cubanos geram debate

03 set 2013 às 14:37

A decisão do governo federal de "importar" quatro mil médicos cubanos, além de provocar reações apaixonadas de pessoas favoráveis e contrárias à iniciativa, suscitou também uma discussão sobre se o regime de contratação dos cubanos estaria, ou não, infringindo a legislação trabalhista do país.

O nó da questão está no fato de os cubanos do programa Mais Médicos terem um regime de contratação diferenciado. Os termos desse contrato ainda não foram completamente esclarecidos, ao contrário dos demais 282 colegas estrangeiros ou com formação no exterior já inscritos no programa - que pretende levar 15 mil médicos aos rincões do país onde há falta desses profissionais.


Enquanto portugueses, argentinos e espanhóis puderam se inscrever cada qual por si, os cubanos são uma espécie de prestadores de serviço de um grande pacote vendido pelo governo de Cuba ao Ministério da Saúde sob intermediação da Opas (Organização Pan-Americana de Saúde).


Se os demais estrangeiros (assim como os brasileiros que estudaram medicina no exterior) recebem um contracheque de R$ 10 mil no final do mês, o salário exato dos cubanos ainda é um mistério.


No caso dos cubanos, os R$ 10 mil não serão depositados na conta particular de cada um. O valor será repassado ao governo de Cuba (sob intermédio da Opas), que por sua vez repassará entre "40% e 50%" desse dinheiro aos seus médicos, segundo a vice-ministra cubana, Márcia Cobas.


Termo de cinco anos


Cuba já "exportou" cerca de 130 mil profissionais de saúde para 108 países, entre eles o próprio Brasil, onde o Estado do Tocantins adotou um programa para trazê-los entre 1998 e 2003.


Essa é uma das maiores fontes de recursos do país. De acordo com o correspondente da BBC Mundo em Havana, Fernando Ravsberg, ela rende, segundo estimativas otimistas, até US$ 5 bilhões por ano a Cuba.


Para trazer os médicos desta vez, o Brasil assinou um termo de cinco anos com a Opas, no qual não há qualquer menção à contratação de médicos cubanos.


Pelo termo, a Opas funciona como uma espécie de agência para intermediar a compra de serviços e consultoria de saúde com qualquer país.


Segundo o Ministério da Saúde, os médicos estrangeiros participam do programa por meio de uma relação similar a de bolsistas acadêmicos, já que todos fazem uma especialização à distância por meio da rede Unasus (que envolve universidades públicas e privadas).


As 40 horas de trabalho semanais que os médicos terão de desempenhar são, oficialmente, horas de práticas, de estágio.


A BBC Brasil pediu à advogada especializada em direito trabalhista, Gláucia Massoni, que analisasse o documento firmado entre o governo e a Opas.


"No aspecto trabalhista não vejo inconstitucionalidade. As atividades são delimitadas, e os médicos vêm como intercambistas. Não há relação de empregador e empregado. Não há CLT", disse.


Para Gláucia, a quebra de braço entre os que gostariam de suspender a importação e o governo parece pender para o último. "Parece-me que apesar de todas as questões polêmicas, há segurança jurídica", diz.


Desnível salarial


Ainda assim, o regime de contratação suscitou críticas de associações médicas e de setores da oposição, que chegaram até mesmo a alegar que os cubanos estarão sendo submetidos a um regime de trabalho supostamente análogo à escravidão.


Há poucos dias, o procurador José de Lima Ramos Ferreira, chefe da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, disse ao jornal Folha de S. Paulo que o Ministério Público do trabalho (MPT) teria de "interferir", alegando que a contratação dos médicos em uma transação feita pelo governo de Cuba era "totalmente irregular".


O MPT já instaurou um inquérito para esclarecer pontos pouco esclarecidos da contratação, mas os termos precisos do regime de trabalho dos profissionais cubanos ainda permanecem um mistério.


A BBC Brasil solicitou à Opas o termo firmado entre a organização (representando o Brasil) e o governo de Cuba, onde haveria mais detalhes sobre isso.


A Opas respondeu que apenas o governo cubano pode se pronunciar sobre o assunto. Por sua vez, representantes do governo cubano disseram à reportagem que apenas a Opas pode dar mais informações.


O procurador-geral do Trabalho, Luiz Camargo, descartou que o regime de trabalho dos médicos cubanos seja análogo à escravidão, mas citou a preocupação do MPT de que não haja desnível salarial entre os profissionais do Mais Médicos, o que, segundo ele, seria uma violação da legislação trabalhista.


Questionado se o fato de o regime cubano reter parte dos salários dos médicos por si só não configuraria tal desnível, o procurador-geral respondeu: "É o que parece".


Ele ressaltou em seguida que ainda não teve acesso aos documentos formais e que suas palavras não significam que esteja apontando qualquer irregularidade na transação.

Ainda segundo Camargo, "tanto o ministro (da Saúde, Alexandre) Padilha quanto o ministro (advogado-geral da União, Luís Inácio) Adams garantiram que há segurança jurídica no programa".


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