Proibido no Brasil desde 2009, os cigarros eletrônicos atraem cada vez mais usuários no país. Enquanto isso, nos últimos anos a Europa tem criado normas para regular o consumo, em uma tentativa de diminuir o número de fumantes no continente.
A ideia é que as pessoas substituam o tabaco pelo dispositivo, também chamado de vape. Para especialistas, porém, ainda não está claro se essa mudança é de fato benéfica para a saúde e se ela deve ser adotada como política pública.
Atualmente fazendo mestrado em Londres, a brasileira Giulia (ela pediu para não ter seu sobrenome revelado), 22, ilustra bem essa situação. Ex-fumante de cigarros convencionais, ela aderiu ao vape em sua estadia em solo britânico.
Agora, o dispositivo rosa com sabores como morango e kiwi costuma ser usado como uma espécie de recompensa entre os estudos.
Para ela, o aparelho é mais prático do que o cigarro convencional, já que não tem cheiro e gera pouca fumaça. Mas, por isso, acaba usando ele mais do que quando fumava tabaco --por semana, consome três dispositivos, cada um com capacidade de 600 tragadas.
Esse aumento do consumo é um dos riscos que a liberação do uso do vape cria, segundo entidades médicas. Mesmo assim, o Reino Unido decidiu em 2016 regular o produto e usá-lo como uma ferramenta para reduzir danos relacionados ao tabagismo.
É com essa mesma proposta que Alexandro Lucian, 42, luta pela regulamentação do vape no Brasil. Presidente da Direta (Diretório de Informações para a Redução de Danos do Tabagismo), ele fumou tabaco por 15 anos e chegou a consumir três maços por dia.
Em 2015, descobriu o vape e abandonou o cigarro. "Parece que quem se opõe à redução de danos no tabagismo acha que devemos sofrer para parar de fumar. Se posso ter prazer com o cigarro eletrônico sem prejudicar minha saúde, é o que quero."
Para o pneumologista Fred Fernandes, que atua no InCor (Instituto do Coração), essa ideia de que o cigarro eletrônico é mais saudável é falsa. "O vape cria novos consumidores", afirma. "Faz mal às vias respiratórias e ao coração. É trocar uma substância tóxica por outra sem tratar a dependência."
Mesmo com regras opostas, Brasil e Reino Unido enfrentam desafios semelhantes nessa área: encontrar formas de combater o mercado ilegal e, ao mesmo tempo, controlar o aumento de consumo entre os jovens.
Em Londres, o dispositivo eletrônico está disponível em lojas de souvenirs, casas de câmbio e até em pontos registrados no NHS (equivalente ao SUS). Nestes locais, funcionários treinados auxiliam fumantes a encontrar o melhor dispositivo para ajudar na transição do tabaco ao vape.
Já os cigarros são vendidos em embalagens pretas e mantidos em gavetas nas tabacarias.
O governo britânico tem como meta reduzir a taxa de fumantes no país para 5% até 2030. Os dados mais recentes, de 2021, apontam que a taxa estava em 13%, menor percentual em dez anos. Por outro lado, o consumo de cigarros eletrônicos disparou de 1,7% em 2012 para 8,3% no ano passado.
Outro local que adotou o uso do vape para reduzir os danos causados pelo tabaco foi a Suécia. Este ano, o país anunciou que a taxa de fumantes caiu para 5,6% da população, o menor número da Europa.
O uso de cigarro eletrônico, porém, segue crescendo. Desde 2015, quando a lei passou a regular o consumo do dispositivo, o aumento no número de consumidores é de 50%.
Essa estratégia adotada por Londres e Estocolmo, porém, não é unanimidade. Médicos e a OMS (Organização Mundial da Saúde) afirmam que faltam estudos conclusivos sobre os benefícios do uso do vape e advertem sobre uma possível nova geração de jovens viciados em nicotina.
Há ainda a chamada crise do Evali, sigla que remete a uma inflamação pulmonar associada a dispositivos eletrônicos.
Entre março de 2019 e fevereiro de 2020, o CDC (Centro de Controle de Doenças dos EUA) registrou 2.734 pessoas com o diagnóstico, principalmente jovens adultos e adolescentes --foram 68 mortes.
Há ainda mais complicações que podem ser causadas pelo uso do vape: doenças cardiovasculares pela nicotina, alergia, asma e inflamações pulmonares. Um dos problemas mais conhecidos é o chamado "pulmão pipoca", nome associado à bronquiolite e que foi inicialmente diagnosticado em trabalhadores de uma fábrica de pipoca de micro-ondas --e que também atinge usuários de vape.
A indústria do tabaco, porém, cita um estudo do britânico King's College que analisou mais de 400 pesquisas sobre o tema e apontou que o vape é 95% menos prejudicial que o tabaco.
O setor também afirma que o número de lugares que autorizam o consumo de cigarros eletrônicos têm aumentado --hoje, o uso é permitido em 80 países.
O Brasil não está nesse grupo, mas isso não impediu o aumento do consumo por aqui. Segundo uma pesquisa de 2022 da Ipec (Inteligência de Pesquisa e Consultoria), o país tinha dois milhões de usuários de vape em 2022, contra 500 mil em 2018.
O número de apreensões de dispositivos também está em alta, segundo a Receita Federal. Em 2021, foram apreendidas 450 mil unidades, número que subiu para 1,1 milhão no ano passado.
Como o mercado é ilegal, não há controle de quais substâncias existem dentro dos dispositivos vendidos no país. Apesar da proibição, eles podem ser encontrados em lojas, ambulantes e na internet, com preços que vão de R$ 60 a R$ 620.
Em 2022, a Anvisa optou por manter a proibição dos produtos. Procurada, a agência disse que pretende abrir uma nova consulta pública sobre o tema até o final do ano.
Iuri Esteves, chefe de assuntos científicos e regulatórios da BAT Brasil (ex-Souza Cruz), afirma que a estratégia de proibição adotada pelo Brasil gera o efeito inverso ao esperado.
"Temos casos de explosão de aparelhos eletrônicos porque não tem nenhum controle e também não sabemos qual substância chega no Brasil, nem como é manipulada", diz ele.
Esteves defende que o país regule o tema e permita a comercialização do cigarro eletrônico no sistema fechado --quando o usuário não pode trocar o sabor ou mexer no dispositivo.
Já para Jaqueline Scholz, diretora do programa de tratamento de tabagismo do InCor, a regulação do produto não vai frear o aumento do consumo. "Legalizar aumenta usuários", afirma. Ainda segundo ela, o Incor nunca recebeu tantos adolescentes com alto grau de dependência em nicotina.
A jornalista viajou a convite da BAT Brasil