A esquizofrenia tem sido considerada uma doença do neurodesenvolvimento, ou seja, causada por uma complexa interação de fatores genéticos e ambientais que se inicia ainda na vida intrauterina podendo resultar em alterações na estrutura e no funcionamento do cérebro.
Porém, em geral, os médicos só costumam entrar em contato com portadores dessa doença depois que eles manifestam o primeiro episódio de psicose – o que costuma ocorrer no início da idade adulta, quando praticamente nada mais pode ser feito em termos de prevenção.
Com o objetivo de mudar esse paradigma, um grande esforço conjunto vem sendo feito por pesquisadores de instituições como Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP) e Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para Crianças e Adolescentes (INPD) – um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) apoiados pela FAPESP.
O trabalho foi apresentado durante a FAPESP Week UC Davis in Brazil pelo professor Rodrigo Affonseca Bressan, diretor do Laboratório de Neurociências Clínicas (LiNC) da Unifesp.
"Fazendo um paralelo com as doenças cardiovasculares, hoje sabemos que muitos eventos precedem um infarto, como alterações nos níveis de colesterol e obstrução de vasos sanguíneos. A cardiologia só passou a ter impacto significativo em termos de redução de mortes e incapacitação quando começou a atuar na prevenção. Para isso, foi preciso entender o que acontecia no sistema cardiovascular antes do infarto e qual era o impacto dos fatores de risco", disse Bressan.
De acordo com o pesquisador, o primeiro episódio de psicose pode ser considerado a metade do processo de desenvolvimento e de cronificação da esquizofrenia.
"Há uma fase que podemos chamar de pré-mórbida ou assintomática, outra fase considerada de risco para o desenvolvimento de sintomas psicóticos e depois a evolução da esquizofrenia propriamente dita e a resistência ao tratamento", explicou Bressan.
Quando se estuda apenas aqueles pacientes que já têm o quadro psicótico estabelecido, acrescentou o pesquisador, torna-se impossível saber se as alterações estruturais e funcionais observadas no cérebro por meio de exames de imagem são causa ou consequência da doença.
Na tentativa de compreender melhor cada etapa de desenvolvimento do transtorno, o consórcio de pesquisa adotou uma abordagem multistage-multimodal [abordagem multimodal em todos os estágios da doença], que consiste em avaliar diferentes conjuntos de pessoas (coortes) por metodologias variadas. São usados recursos como ressonância magnética estrutural e funcional, análises epigenéticas (expressão gênica e metilação de DNA), de marcadores inflamatórios e neuroprotetores, além de análises cognitivas e comportamentais.
O trabalho conta com apoio da FAPESP por meio do projeto "Prevenção na esquizofrenia e no transtorno bipolar da neurociência à comunidade: uma plataforma multifásica, multimodal e translacional para investigação e intervenção", coordenado por Bressan.
"Dessa forma é possível ver as alterações cerebrais nas diferentes etapas da doença e entender como o ambiente pode estar modulando os genes que por sua vez modulam a estrutura cerebral. E também observar se essa modulação progride com o avanço da doença", afirmou Bressan.
No âmbito do INPD, coordenado pelo professor Eurípides Miguel da USP, foram avaliadas no ano de 2011 pouco mais de 2,5 mil crianças entre 6 e 12 anos.
O seguimento dessa coorte vem sendo feito ao longo dos três anos seguintes, com a avaliação de variáveis ambientais, parentais, genéticas (do trio pai, mãe e filho) e de sintomas psicopatológicos, como timidez ou agressividade excessivas. Desse grupo, uma amostra de 770 crianças foi submetida a exames de ressonância magnética funcional e foi coletado material para análise de expressão gênica e marcadores periféricos.
Esse acompanhamento, explicou Bressan, permite determinar padrões de normalidade do desenvolvimento e do funcionamento cerebral, o que por sua vez possibilita entender o que houve de diferente na trajetória dos indivíduos que vierem a desenvolver distúrbios.
"Uma parcela dessas crianças desenvolverá transtornos mentais, já temos alguns com depressão ou déficit de atenção. Alguns deverão converter para sintomas psicóticos e poderemos entender o que foi acontecendo ao longo do tempo, como os sintomas foram evoluindo. Há também aqueles que apresentavam sintomas que depois podem desaparecer e poderemos entender se houve algum fator ambiental ou biológico protetor, ou seja, fatores de resiliência", disse.
Mecanismos neuroimunes
Na mesma sessão na FAPESP Week, Cameron Carter, da UC Davis, apresentou trabalhos desenvolvidos no Center for Neuroscience, que dirige. Um dos principais objetivos do grupo californiano é entender o papel de mecanismos neuroimunes e da inflamação no desenvolvimento da esquizofrenia e de outros distúrbios psiquiátricos.
Segundo Carter, há evidências de que portadores de esquizofrenia apresentam moléculas imunes alteradas no plasma sanguíneo. O mesmo resultado foi visto em análises post mortem do tecido cerebral.
"Já contamos com algumas terapias para essas doenças, mas elas são pouco eficazes e atacam mais os sintomas do que as causas. Há uma grande necessidade de desenvolver novos tratamentos e para isso tentamos compreender melhor o que acontece em nível molecular no cérebro", disse.
A esquizofrenia afeta cerca de 1% da população mundial, mas assim como outros transtornos mentais é uma importante causa de incapacitação e de perda de dias trabalhados. Caracteriza-se pela presença de muitos sintomas – entre eles alucinações, embotamento afetivo, catatonia e pensamento desorganizado – sem que nenhum seja seu definidor.
São considerados fatores de risco: casos da doença na família; exposição a toxinas, infecções virais e má nutrição durante a gestação; doenças autoimunes; tabagismo e uso de drogas ou medicamentos psicotrópicos durante a adolescência e início da vida adulta.