A sociedade conta, a partir de agora, com um instrumento a mais para garantir a qualidade da assistência em saúde. Os Conselhos de Medicina prepararam uma lista mínima, com a descrição de equipamentos e de infraestrutura necessários para o funcionamento de consultórios e ambulatórios médicos, como os postos de saúde (mais conhecidos como UBSs). Este check list, que será de conhecimento público, passará a orientar as ações de fiscalização dos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) e consta de Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), a ser publicada nesta terça-feira (12). Nos próximos meses, deverão ser divulgados novos roteiros de vistoria voltados para hospitais, prontos socorros e outros tipos de estabelecimentos de saúde.
O descumprimento dos itens elencados nas vistorias em consultórios e ambulatórios gerará cobrança de soluções junto aos gestores de saúde, a ser feito pelas entidades. Relatórios com as conclusões serão também encaminhadas a outras autoridades, como Tribunais de Contas, Ministério Público, Poder Legislativo, entre outros. Com isso, espera-se estimular a tomada de decisões que leve à qualificação da assistência e a melhora das condições para o exercício da Medicina. Para conhecer o pacote mínimo que os consultórios e ambulatórios deverão cumprir, basta acessar o site do Conselho Federal de Medicina (CFM): www.portalmedico.org.br.
Como parte do processo de modernização das suas atividades de fiscalização, os CRMs também contarão com instrumentos mais ágeis para fazer as visitas. A caneta e o papel serão aposentados e substituídos por tablets. Neles, estarão os formulários e check lists a serem preenchidos. Após as vistorias, os resultados serão remetidos para uma base de dados, centralizada no CFM. Pela primeira vez na história, o Conselho Federal de Medicina terá acesso ao conteúdo das visitas de fiscalização de forma online e digitalizada. Essa rotina permitirá, entre outros pontos, elaboração de estudos e levantamentos sobre carências e necessidades comuns ao sistema.
Novo perfil - A mudança no perfil da fiscalização dos CRMs será possível com a publicação da Resolução 2.056/13, pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), no Diário Oficial da União. A norma moderniza as regras de fiscalização e estabelece critérios mínimos para o funcionamento de estabelecimentos médicos. A Resolução também fixa uma nova sistemática para as vistorias e traz um modelo para o preenchimento de prontuários e para elaboração das anamneses (entrevistas dos médicos com os pacientes). A nova proposta substitui a Resolução 1.613/01 e tem o objetivo de melhorar a qualidade dos serviços médicos oferecidos à população.
"Essa Resolução muda substancialmente o trabalho de fiscalização realizado pelos Conselhos Regionais. É um esforço do CFM para uniformizar as práticas do controle da medicina. Queremos dar mais segurança ao ato médico e, consequentemente, ao paciente", explica o 3º vice-presidente da entidade, Emmanuel Fortes, relator da Resolução 2.056/13. O novo texto traz um Manual de Vistoria e Fiscalização da Medicina no Brasil, que estabelece a infraestrutura mínima a ser exigida dos consultórios e ambulatórios médicos, de acordo com sua atividade fim e/ou especialidade.
Público e privado - O trabalho fiscalização será efetuado nos serviços públicos, mas também poderá ser utilizado em vistorias em unidades de atendimento vinculadas a planos de saúde ou empresas particulares. Os consultórios e ambulatórios foram divididos em três tipos. Eles vão dos oferecem serviços mais simples, sem anestesia local e sedação, até àqueles que realizam procedimentos invasivos, com riscos de anafilaxias (reações alérgicas sistêmicas) ou paradas cardiorrespiratórias.
"Até a edição desta Resolução, cada conselho estabelecia regras no vácuo deixado por uma normativa nacional, sendo que os grandes conselhos apresentavam estratégias mais eficientes nesse controle que os menores. Agora está tudo parametrizado, o que facilitará a averiguação", constata o diretor de fiscalização do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), Antônio Celso Ayub, que participou do grupo de trabalho responsável pela elaboração da Resolução 2.056/12.
Os serviços médicos públicos, privados e filantrópicos têm o prazo de seis meses para se adaptar às novas regras estabelecidas pelo CFM. "Mas a nossa intenção não será fazer interdições éticas. Detectando problemas, vamos conversar com o gestor para buscar alternativas. Caso não tenhamos êxito é que vamos tomar medidas mais duras", argumentou Emmanuel Fortes. "A nossa intenção é dar segurança ao ato médico. É garantir as condições para que a medicina possa ser praticada com segurança", afirmou.
Equipamentos mínimos - Dos consultórios e serviços do Grupo Um, em que são realizadas apenas consultas, serão exigidos, por exemplo, equipamentos básicos como tensiômetro, estetoscópio, termômetro, maca, lençóis, pia, cadeiras para o médico e uma para o paciente e acompanhante entre outras exigências. "Vamos exigir além da infraestrutura física, todos os equipamentos para a propedêutica e a avaliação clínica, sem os quais o médico não vai poder atuar", avisa Emmanuel Fortes.
Já para os do Grupo Dois, onde se executam procedimentos sem anestesia local e sem sedação, como o consultório de um cardiologista que faz apenas eletrocardiogramas, serão exigidos, além do que está listado no consultório básico, os equipamentos próprios necessários para os exames específicos.
Nos consultórios ou serviços com procedimentos invasivos ou que exponham os pacientes a risco de vida, do Grupo 3, que realize, por exemplo, teste ergométrico ou faça procedimento com anestesia local ou sedações leves, os fiscais devem averiguar se há os instrumentos que assegurem a aplicação de forma segura e, em havendo complicação tenha a sua mão equipamentos de socorro à vida. É claro que este médico precisa ser preparado para realizar os primeiros procedimentos de suporte à vida.
Modelos de relatório - A Resolução também traz um modelo básico de como deve ser um relatório pericial e ressalta a necessidade de o médico-perito ter condições de realizar seu trabalho. De acordo com o modelo estabelecido pelo CFM, o perito deve registrar, por exemplo, a história pessoal e médica do periciado, além de realizar exames físicos e fazer o diagnóstico. Deve, também, responder de forma clara e objetiva as perguntas que foram feitas no processo. "É preciso oferecer um quadro completo. Mesmo que seja apenas um dedo quebrado, é preciso contar toda a história, até para evitar problemas futuros", aconselha Emmanuel Fortes.
As faculdades de medicina também serão alcançadas pela Resolução 2.056/13, já que o texto do CFM estabelece um roteiro para a anamnese, que é o histórico de uma doença feito pelo médico com base nas informações colhidas do paciente. "Hoje as anemneses estão muito sucintas, prejudicando o raciocínio clínico, principalmente para quem não teve contato com o paciente, como nos casos de processos éticos quando precisamos das informações corretas para avaliar se o médico agiu de modo correto diante do paciente", relata o 3º vice-presidente do CFM. "As escolas médicas terão de voltar a ensinar a anamnese conforme preconizado pelo Código de Ética Médica", afirma.
Registro de prontuários - Os hospitais também terão de se adaptar à Resolução 2.056/13 quanto ao registro do prontuário do paciente. Nele, deverá constar a anamnese, folhas de prescrição e de evolução exclusiva para médicos e enfermeiros, e, também, para os demais profissionais de saúde que intervenham na assistência. As evoluções e prescrições de rotina devem ser feitas pelo médico assistente pelo menos uma vez ao dia.
A atualização diária também é exigida dos estabelecimentos geriátricos, psiquiátrico e de cuidados paliativos nos casos de pacientes agudos. Em pacientes estabilizados, a atualização deve ser de, no mínimo, três vezes por semana. As folhas do prontuário também devem ser de cores diferentes e divididas em colunas. De acordo com Emmanuel Fortes, poucos estabelecimentos hospitalares seguem a rotina preconizada pela Resolução, mas agora, terão de segui-las.
Avanços na fiscalização – O diretor de fiscalização do Conselho Regional da Paraíba, Eurípedes Souza, ressalta a informatização como um dos grandes avanços da Resolução 2.056/12. "Agora, com o software da fiscalização sendo instalado nos tablets, será possível emitir o laudo logo após o término da vistoria. O que antes levava horas para ser feito, agora ficará pronto em poucos minutos", elogia. O CFM vai encaminhar para cada CRM tablets com o programa instalado, além de máquinas fotográficas. Com essa medida, o CFM pretende que os demais conselhos sigam os passos do Rio Grande do Sul e da Paraíba, os mais produtivos na realização de fiscalizações em ambientes médicos.
O Cremers foi o primeiro CRM a realizar, em 1997, interdições éticas. Desde então, foram realizadas 25. A Paraíba começou suas fiscalizações em 1998 e já realizou 123 interdições. Apesar de quatro terem sido questionadas na justiça, todas as interdições realizadas pelo CRM-PB foram mantidas. No Rio Grande do Sul, apenas uma interdição foi derrubada judicialmente: a de um hospital municipal em São Leopoldo. "Nos outros locais cujas interdições foram mantidas, a situação do hospital hoje é muito melhor. Já nesse município, a população está sofrendo hoje com as péssimas condições do hospital, que está nas mesmas condições das que encontramos quando fizemos a interdição", relata Antônio Celso Ayub.
Proibição de trabalhar - A interdição ética proíbe o médico de trabalhar no local enquanto não forem oferecidas condições mínimas de trabalho. Geralmente ela só ocorre em casos extremos e após o CRM ter notificado o gestor preliminarmente. Mas há casos em que ela é feita na primeira visita do fiscal. "Se um consultório não tem porta, por exemplo, ele é interditado imediatamente, pois não está garantindo a privacidade do paciente", explica Eurípedes Souza.
A medida é adotada pelo CRM, mas os próprios médicos podem suspender seus trabalhos, se considerarem que não têm condições de trabalhar no local. Para tanto, o corpo clínico deverá entrar em contato com o CRM, que após ir ao local poderá concordar, ou não, com a suspensão. As experiências do Rio Grande do Sul e da Paraíba mostram que as interdições e suspensões têm contribuído para a melhoria das condições dos hospitais. "Com exceção dos problemas relacionados à pessoal, cuja solução demanda a realização de concursos, nos demais casos os gestores públicos têm se mobilizado para encontrar alternativas", aponta Eurípedes Souza.