O Conselho Nacional de Saúde enviou um ofício ao Ministério da Saúde em que pede a revogação de todos os documentos da pasta que orientam sobre "tratamento precoce" com uso de remédios contra a Covid – uma alternativa que não existe até o momento.
Segundo o conselho, que é vinculado ao ministério e formado por usuários, profissionais de saúde e gestores do SUS, a revogação vale para "qualquer instrumento (como nota técnica, nota informativa, orientações, protocolos ou ofícios) que possa indicar o tratamento precoce com a aplicação de medicamentos cuja eficácia e segurança para a Covid-19 não está estabelecida cientificamente e nem aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária."
O documento cita a fala do ministro Eduardo Pazuello em entrevista coletiva de imprensa de que a pasta não orienta tratamento precoce, mas sim "atendimento precoce" . A posição vai na contramão de declarações anteriores do ministro e de documentos da pasta já chancelados por ele.
Um deles é uma nota informativa lançada em maio com orientações para "manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da Covid" e que indica o uso de hidroxicloroquina e cloroquina, remédios sem eficácia contra a doença.
Esse documento foi elaborado logo após a saída do então ministro Nelson Teich do cargo, motivada por divergências com o presidente Jair Bolsonaro, que pedia a ampliação do uso do medicamento. "Não pode mudar o protocolo agora? Pode e vai mudar", disse o presidente à época.
No ofício, o conselho relembra que a nota já citava o termo "tratamento precoce" e que a pasta vem divulgando dados de distribuição de cloroquina e hidroxicloroquina aos estados contra a Covid.
Questionado pela reportagem sobre o pedido, o ministério ainda não respondeu.
Em coletiva na segunda (18), Pazuello demonstrou irritação ao ser questionado por uma jornalista sobre a cloroquina e negou ter indicado remédios contra a Covid. "Eu nunca indiquei medicamentos a ninguém, nunca autorizei o Ministério da Saúde a fazer protocolos indicando medicamentos", disse.
"Nós defendemos, incentivamos e orientamos que a pessoa doente procure imediatamente o posto de saúde, procure o médico. E que o médico faça o diagnóstico clínico do paciente. Este é o atendimento precoce. Que remédios o médico vai prescrever é foro íntimo do médico com seu paciente. O ministério [da Saúde] não tem protocolos sobre isso, nem poderia ter. Não é missão do ministério definir protocolo para o tratamento. Tratamento é uma coisa, atendimento é outra", declarou, sem mencionar o documento elaborado em maio.
A pasta, no entanto, teve várias iniciativas recentes a favor de remédios como a cloroquina, apesar de estudos indicarem o oposto.
Na semana passada, o próprio Pazuello lançou em Manaus um aplicativo para profissionais de saúde que estimula a prescrição de medicamentos sem eficácia comprovada contra o coronavírus.
Chamado de TrateCOV, o aplicativo sugere a prescrição de hidroxicloroquina, cloroquina, ivermectina, azitromicina e doxiciclina a partir de uma pontuação definida pelos sintomas do paciente após o diagnóstico de Covid.
Também na semana passada, em meio à falta de leitos e de oxigênio para pacientes com Covid-19 em Manaus, a Saúde montou e financiou força-tarefa de médicos defensores do chamado "tratamento precoce" para visitarem Unidades Básicas de Saúde na capital amazônica, conforme revelou o jornal Folha de S.Paulo.
Em dezembro, a pasta também chegou a divulgar um gráfico em que associava, de forma errônea, a redução de mortes por Covid ao documento que orientava sobre a oferta de cloroquina, citando-a como "tratamento precoce". Estudos, no entanto, já demonstraram que o medicamento não tem eficácia contra a Covid.