O Ministério da Saúde e a farmacêutica Roche chegaram a um acordo, no início de julho, quanto à distribuição pelo Sistema Único de Saúde (SUS) do pertuzumabe, medicamento importante no tratamento de um tipo de câncer de mama em estágio avançado. Com o acordo de compra centralizada, as secretarias estaduais de saúde começam a receber a droga nos próximos dias ou semanas.
O câncer de mama é o segundo mais comum em mulheres, após o de pele não melanoma. O Instituto Nacional do Câncer estima que, em 2020, serão 66 mil novos casos da doença, cerca de 21% de todos os cânceres em mulheres. O câncer de mama tem três grupos principais: triplo negativo, hormônio-positivo ou HER2-positivo (HER2+).
O pertuzumabe é um anticorpo usado como terapia-alvo em combinação com outro anticorpo, o trastuzumabe, e um quimioterápico, o docetaxel. O alvo dos anticorpos é a proteína HER2 (da sigla para receptor para fator de crescimento endotelial humano), cuja superativação aumenta o crescimento e a proliferação celulares. Até 20% dos cânceres de mama são HER2+.
Essa combinação de drogas, conhecida como duplo bloqueio, é usada há vários anos contra câncer de mama metastático HER2+ e aumenta a sobrevida das pacientes.
Embora também haja benefícios importantes no uso em estágios iniciais da doença, a combinação só está aprovada, para uso no SUS, contra a fase avançada (metastática) do câncer de mama HER2+.
A combinação não funciona contra outros tipos de câncer de mama que não envolvam a proteína HER2, como o triplo negativo (10% a 15% dos casos) e o hormônio-positivo (60% dos casos).
Um estudo brasileiro publicado em 2016 estimou que, das cerca de 2.000 brasileiras que teriam câncer de mama HER2+ metastático naquele ano, só 808 estariam vivam após dois anos do diagnóstico se tratadas apenas com quimioterapia. A combinação da quimioterapia com trastuzumabe elevaria este número para 1.408, enquanto a combinação das três drogas levaria à sobrevivência de 1.576 pacientes após dois anos.
O tempo de sobrevida das pacientes com doença metastática, segundo Rafael Kaliks, oncologista clínico e diretor-científico do Instituto Oncoguia, sobe bastante com o duplo bloqueio. "Aumenta de algo em torno de 40 meses, para quem só usa trastuzumabe e quimioterapia, para cerca de 60 meses para quem consegue acrescentar também o pertuzumabe", diz o médico, referindo-se às medianas do tempo de sobrevida vistas no estudo Cleopatra, que embasou a incorporação do pertuzumabe ao SUS.
O tratamento com as terapias-alvo é tão eficiente que por vezes o tumor desaparece sem necessidade de cirurgia. Maira Caleffi, médica mastologista e presidente da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio a Saúde da Mama (Femama), descreve o caso de uma paciente de menos de 40 anos, diagnosticada com câncer de mama HER2+ metastático e tratada por duplo bloqueio já de início.
"Já faz uns seis ou sete anos. [O câncer] sumiu das mamas, não tem metástase, e ela nunca foi operada. É impressionante", diz a médica. Segundo ela, esse sucesso é visto em 70 a 80% dos casos.
O fato de não se detectar mais o tumor não significa que a pessoa tenha sido curada. Os médicos consideram o tratamento duplo bloqueio como de uso contínuo e sujeito ao desenvolvimento de resistência contra as drogas. Ou seja, as células cancerosas passam a não ser mais inibidas e voltam a se multiplicar. Embora o controle tenha de ser constante, há vários casos na literatura médica de pacientes sem recidiva após muitos anos.
A eficácia dos novos tratamentos mudou até o que os médicos sentem no momento do diagnóstico de uma paciente. "Antes a gente ficava com medo das pacientes serem HER2+; tem certas mulheres agora que a gente fica torcendo para que sejam", diz Caleffi ao comentar a alta eficácia e baixa toxicidade do novo tratamento.
Sendo terapias-alvo, o pertuzumabe e o trastuzumabe têm efeitos colaterais geralmente brandos. Os mais sérios são possíveis alterações cardíacas, que podem ocorrer em uma minoria das pacientes e cessam quando parado o tratamento. Por esse motivo, é importante o acompanhamento por ecocardiograma.
O quimioterápico docetaxel, por não ser específico como as terapias-alvo, interfere na multiplicação de células por todo o corpo. Assim, a droga pode ter como efeitos colaterais perda de cabelos, edema, alterações de pele, inflamações bucais, vômitos, diarreia, anemia e depressão da imunidade. No entanto, em geral essa droga só precisa ser utilizada nos primeiros meses do tratamento, que depois segue só com as duas terapias-alvo.
A incorporação do pertuzumabe ao SUS para uso em combinação com o tratamento padrão anterior, que inclui apenas trastuzumabe e docetaxel, foi aprovada pelo Ministério da Saúde em dezembro de 2017. O prazo definido em lei para que um remédio incorporado seja efetivamente oferecido pelo sistema público de saúde é de 180 dias, mas esse prazo é frequentemente descumprido.
Isso se deve ao longo processo de negociação com as empresas farmacêuticas, em especial para tratamentos caros como a terapia-alvo. Um frasco de 420 mg de pertuzumabe custa no mercado cerca de R$ 14 mil e é aplicado a cada três semanas. Ainda não está claro qual vai ser o custo da droga para o SUS, mas especialistas estimam que deva cair ao menos pela metade.
O trastuzumabe foi negociado por cerca de R$ 2.000 por mês por paciente, ou "um desconto de praticamente 80% [em relação ao preço de mercado]", exemplificou Kaliks.
Desde a incorporação, entidades representantes de pacientes e sociedades médicas vinham pressionando o governo para a efetivação do acordo e o oferecimento do pertuzumabe na rede pública.
Segundo a Femama, cinco estados e o Distrito Federal devem receber o pertuzumabe nesta semana, enquanto outros dez, incluindo São Paulo, ficam para o início de agosto. Os restantes provavelmente buscarão a droga no almoxarifado do Ministério.