Corpo & Mente

Infecções prévias podem gerar células que combatem o novo coronavírus, diz estudo

06 ago 2020 às 09:50

Outros tipos de coronavírus causadores da gripe comum e com alta taxa de circulação entre as pessoas podem gerar células de imunidade que também ajudam a combater o Sars-CoV-2, causador da Covid-19.


Para os cientistas, a descoberta pode ajudar a explicar por que algumas pessoas são mais resistentes à infecção pelo novo coronavírus ou desenvolvem a Covid-19 com sintomas mais brandos.


Pesquisadores dos Estados Unidos e da Austrália encontraram linfócitos T (ou células T) capazes de combater o novo coronavírus em pessoas que nunca haviam tido contato com o patógeno. Os mesmos linfócitos são elementos de defesa gerados pelo corpo contra os coronavírus mais antigos, como os OC43, 229E, NL63, e HKU1.


Os resultados do estudo foram publicados na revista científica Science na terça-feira (4).


As amostras de sangue analisadas foram recolhidas entre março de 2015 e março de 2018, ou seja, de pessoas que nunca haviam sido expostas ao novo coronavírus –ele foi reportado pela primeira vez na China no final de 2019. Mesmo assim, um teste sorológico confirmou que esses participantes não tiveram contato com o Sars-Cov-2 antes da análise.


Segundo os autores do artigo, quase todos os doadores das amostras tiveram resultado sorológico positivo para exposição prévia a três coronavírus mais antigos (NL63, OC42 e HKU1) causadores de gripe comum com sintomas brandos.


Nessas amostras, os cientistas encontraram células T que reagem à presença desses patógenos, como era esperado, mas essas mesmas células são capazes de reagir ao novo coronavírus também, um fenômeno chamado pelos cientistas de reatividade cruzada.


"É como se já existissem entre nós pessoas que já estão vacinadas naturalmente contra o novo coronavírus", diz Ana Maria Caetano de Faria, imunologista do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). "A pessoa que já possui essa célula pode ter uma infecção muito mais branda ou até a ausência de sintomas."


Segundo a imunologista, essa hipótese já havia sido cogitada poe especialistas anteriormente, mas essa é a primeira vez que cientistas conseguem demonstrar a possibilidade da reatividade cruzada entre esses vírus.


Quando um vírus entra no corpo, nossas células iniciam um processo de defesa inato, que envolve, entre outras ações, a eliminação de células infectadas por substâncias tóxicas e a emissão de avisos para que o sistema imunológico adaptativo entre em ação.


A imunidade adaptativa é composta por uma grande variedade de células que atuam em diversas frentes ao mesmo tempo para impedir o avanço da infecção. As células T recebem uma mensagem com uma pequena descrição do invasor, e assim elas orientam a atuação para atacar o patógeno.


É como se os mensageiros levassem às células de defesa uma foto do vírus para que elas possam encontrá-lo e destruí-lo.


A maior parte dos linfócitos T encontrados pelos cientistas que assinam o artigo na Science eram do tipo CD4, também conhecidos como auxiliares. Eles têm a capacidade de estimular outras moléculas para ação e produção de substâncias de defesa.


Entre as células estimuladas pelo CD4 estão os linfócitos B, responsáveis pela fabricação dos anticorpos. Essas células ficam guardadas em um tipo de memória imunológica e são despertadas quando o corpo entra em contato com o mesmo vírus novamente.


Um estudo anterior havia mostrado que as células T específicas para combater o novo coronavírus estavam presentes em 20% a 50% das pessoas que nunca tiveram contato com o Sars-Cov-2.


Com os resultados em mãos, os pesquisadores cogitaram a possibilidade de que esses linfócitos T estivessem relacionados ao contato prévio com outros coronavírus causadores de gripe comum. Esses outros coronavírus compartilham algumas características do Sars-CoV-2 –são vírus da mesma família.


Freitas alerta que mesmo pessoas que já tiveram contato com outros coronavírus podem não ter criado essa imunidade duradoura contra o Sars-CoV-2.

"O sistema imunológico de cada pessoa é muito diferente, depende de fatores relacionados à saúde de cada um. Mas essa pesquisa ajuda a explicar porque algumas pessoas estão mais protegidas do que outras", conclui a imunologista.


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