Quatro em cada dez crianças e adolescentes avaliados em estudo do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo continuam sofrendo efeitos prolongados da Covid nas 12 semanas seguintes à infecção.
A conclusão reforça a necessidade da vacinação desse grupo como medida preventiva e de acompanhamento dos infectados por um período maior.
Ela se soma a um conjunto de evidências que tem demonstrado que, assim como os adultos, o público infantojuvenil também pode sofrer os efeitos da chamada Covid longa, entre os mais sérios miocardite (inflamação do músculo cardíaco) e diabetes.
Leia mais:
Pesquisa aponta que 29% dos brasileiros têm algum medo com relação às vacinas
Uma a cada dez mortes no Brasil pode ser atribuída ao consumo de ultraprocessados, diz Fiocruz
Estados brasileiros registram falta ou abastecimento irregular de, ao menos, 12 tipos de vacinas
Leitos de UTI crescem 52% em 10 anos; distribuição é desigual
No estudo do HC, foi acompanhado por quatro meses, em média, um grupo de 53 crianças e adolescentes de 8 a 18 anos que tiveram Covid sintomática. No total, 43% delas manifestaram sintomas persistentes.
Entre eles, dor de cabeça (19%), cansaço (9%), dispneia (8%) e dificuldade de concentração (4%). Dores
musculares e nas articulares, além de má qualidade do sono, também foram relatadas (4%).
Desse total, um quarto das crianças continuou tendo pelo menos um dos sintomas após 12 semanas e foi classificado como tendo Covid longa.
O estudo, publicado na revista científica Clinics, contou também um grupo controle de crianças sem infecção por Sars-CoV-2. Ambos foram equilibrados por idade, sexo, etnia, condição social, IMC e doenças crônicas pediátricas.
"Esses sintomas trazem grande impacto na qualidade de vida dessas crianças e prejuízos escolares, já que existe um déficit de concentração", afirma o pediatra Artur Delgado, coordenador da UTI do Instituto da Criança e do Adolescente do HC.
As crianças seguem sendo supervisionadas, a cada seis meses, por uma equipe multidisciplinar e multiprofissional em um novo ambulatório montado no instituto.
Outro alerta recente sobre os efeitos prolongados da Covid no público infantojuvenil veio dos CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) dos EUA no início deste mês. A doença foi relacionada a um risco duas vezes e maior de desenvolvimento de diabetes em crianças.
Os pesquisadores examinaram bancos de dados de seguros de saúde e compararam novos diagnósticos de diabetes em crianças que tiveram e que não tiveram Covid. A suspeita é que a doença surja por danos no pâncreas provocados pelo Sars-CoV-2.
Segundo Sharon Saydah, pesquisadora dos CDC, ainda não está claro se os casos de diabetes pós-Covid serão permanentes ou temporários. É bom reforçar, no entanto, que a doença não é o único fator de risco para a diabetes. O sedentarismo aumentou durante a pandemia e isso levou ao aumento de peso nas crianças, o que também pode ter contribuído para a alta dos casos da doença.
Os efeitos agudos graves da doença, embora sejam raros, também preocupam. A taxa de mortalidade brasileira pela síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P) está em 6%, quatro vezes superior à registrada pelos Estados Unidos.
Desde o início da pandemia, essa síndrome já acometeu 1.450 crianças e adolescentes no Brasil, com 86 mortes, segundo o último boletim do Ministério da Saúde.
A síndrome costuma aparecer de duas a seis semanas após uma infecção por Covid-19 geralmente branda e pode resultar em hospitalização para crianças, com sintomas graves que envolvem o coração e outros órgãos.
"A Covid não é tão frequentemente grave nas crianças quanto nos adultos, mas pode ser muito grave e deixar sequelas, como as miocardites. O risco é muito maior de sequela devido à doença do que qualquer efeito da vacina", afirma Delgado.
Uma revisão de dados de 5 milhões de crianças vacinadas nos EUA mostrou uma taxa de 0,05% de efeitos adversos, a maioria brandos, como dor no local da aplicação, febre e cefaleia.
O Hospital Infantil Sabará, de São Paulo, também está avaliando a persistência de sintomas da Covid em crianças internadas na instituição durante a pandemia, mas o trabalho ainda está em andamento.
No Hospital Pequeno Príncipe, de Curitiba (PR), a maior instituição pediátrica do país que atende SUS, foi criado um ambulatório cardiológico para acompanhar os casos de miocardite após a fase aguda da Covid.
Os efeitos não param por aí. "Estamos vendo muitas crianças tendo crises de enxaqueca, desenvolvendo diabetes tipo 1, neuropatia periférica, queda de cabelos e com quadros de depressão e ansiedade", conta Victor Horácio de Souza Costa, infectologista pediátrico do Pequeno Príncipe.
Segundo ele, a doença também traz muitas manifestações clínicas na fase aguda, como insuficiência respiratória, meningite e síndrome nefrótica (perda de proteína pela urina), e é fundamental que a criança continue sendo acompanhada por um período após a infecção.
Ainda não se sabe, por exemplo, se os efeitos que ainda persistem serão permanentes ou vão desaparecer com o tempo.
"Tivemos crianças com miocardites que evoluíram muito bem e outras que estão sendo acompanhadas há quase um ano, com muita dificuldade da normalização do músculo cardíaco", explica Costa.
O menino David, 8, faz parte do primeiro grupo. Ele desenvolveu miocardite após a infecção por Covid, ficou um ano sendo acompanhado no ambulatório cardiológico do Pequeno Príncipe e agora já está recuperado.
A mãe, Sara de Souza, 37, conta que a inflamação do músculo cardíaco foi diagnosticada durante a internação. "O coração dele estava bem fraquinho." David ficou 13 dias internado, oito deles na UTI, intubado.
Sara diz que não vê a hora de o filho ser vacinado contra a Covid. "Se eu pudesse sair gritando: vacinem, vacinem suas crianças para não passar o que eu passei, eu faria isso. As pessoas ainda acham que com as crianças não acontece nada."