Acidentes e mortes causados por cães da raça pitbull são semanalmente noticiados por todo o Brasil. O potencial de sua mordida pode, realmente, ser fatal; mas qual a realidade do País e quais são os cuidados para evitar situações como estas?
Camilli Chamone, geneticista, consultora em bem-estar e comportamento canino, editora de todas as mídias sociais "Seu Buldogue Francês" e, também, criadora da metodologia neuro compatível de educação para cães no Brasil, buscou embasamento científico para entender o contexto brasileiro.
Embora existam falhas nas estatísticas, Chamone destaca um excelente levantamento feito pela Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, publicado no Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia: em um ano, foram notificadas 20 mil agressões por cães de qualquer raça e entrevistadas 594 pessoas, sendo que, 48,4% dos acidentes vem de cães sem raça definida (SRD); 57,6% acontecem dentro de casa, e 56,2% com pessoas da própria família ou conhecidas.
Outros resultados do estudo ajudam a mapear o cenário em São Paulo: 80,4% dos ataques geraram lesões leves, a maioria das vítimas tem entre 5 e 14 anos. As lesões profundas correspondem a 19,1% e envolveram cachorros de porte médio e grande.
O levantamento aponta, ainda, a raça pitbull como responsável por 5,8% dos acidentes, ficando atrás inclusive do poodle, com 7,4%.
Em comparação à situação nos Estados Unidos, os dados divulgados pelo site de educação pública DogsBite nos mostram uma grande diferença – lá, os pitbulls são responsáveis por 72% de ataques fatais a humanos. E, entre 2005 e 2020, 568 americanos foram mortos por cães, sendo que pitbulls (380) e rottweilers (51) contribuíram para 76% (431) dessas mortes.
"A maior parte dos acidentes fatais foi causada por pitbulls, mas a relevância estatística de cães abandonados ou considerados SRD é pequena – totalmente diferente da realidade brasileira. Existe, portanto, uma 'americanização' das notícias quando os acidentes são causados por pitbull no Brasil. Quando provocados por SRD (algo muito mais comum), raramente são divulgados", pontua Chamone.
Com essa análise, é possível, portanto, desmistificar o pitbull como a raça que "mais mata" por ataques no Brasil.
No entanto, a lógica nos diz que o potencial de dano da mordida de um pitbull é maior que, por exemplo, o de um shitzu – e o morder, inclusive, é uma forma dos cães se defenderem por estarem estressados. Mas será que o cérebro e, consequentemente, os comportamentos dos pitbulls, são muito diferentes dos cães menores?
Pitbull e shih tzu: cérebros idênticos
Ao contrário do senso comum, que traz o temperamento da raça como um problema, a neurociência nos confirma que o cérebro de um pitbull funciona exatamente da mesma maneira que o de um shitzu – ou qualquer outro cachorro, de qualquer tamanho ou raça.
O grande problema é o estresse no qual os cães são submetidos, rotineiramente, sem que seus donos sequer percebam. Esse estresse traz sofrimento e, consequentemente, problemas comportamentais.
Isso geralmente ocorre quando os peludos têm uma rotina entediante – ficam trancados em casa ou no canil o dia inteiro, sem nenhuma atividade, cochilando o tempo todo –, passam muito tempo sozinhos, não praticam atividade física de forma regular e são alimentados de maneira inadequada.
"Por causa desse estresse, os cães tendem a fazer comportamentos compensatórios, como destruição frequente de objetos, cavar a cama constantemente e se lamber de forma compulsiva, além de latir demais, ter ações hiperativas, comer o próprio cocô, até chegarem ao ponto de redirecionarem a frustração que sentem, sob a forma de agressividade. A questão é que a mordida de um pitbull causa muito mais estrago, na sociedade, do que a de um shitzu, mas ambos os cachorros estão em sofrimento", lamenta a geneticista.
Comportamentos agressivos de raças de pequeno porte, inclusive, são comumente ridicularizados – viram até memes nas redes sociais. "Um cão pequenino e 'fofo', 'engraçadinho', ao morder algo ou alguém, está com sua saúde mental comprometida tal como um grande. Precisamos olhar para o sofrimento de todos e deixar de romantizá-lo ou torná-lo uma comédia nos pequenos", ressalta Chamone.
Assim, é importante entender que o cão nunca é o maior culpado por seus comportamentos disfuncionais – ocasionados, na realidade, por negligência com sua saúde física e mental. A boa notícia, no entanto, é que, ao adquirir conhecimento sobre a espécie, é possível mudar esta realidade.
Mudança cultural e ações
|