As Pancs (Plantas Alimentícias Não-Convencionais) são, por definição, as que não possuem cadeias de produção e comercialização estruturadas. No entanto, cada vez mais chefs de cozinha, merendeiras e entusiastas da cozinha vegana utilizam na gastronomia espécies como azedinha, beldroega, ora-pro-nóbis, taioba, entre outras, em busca de mais sabor e nutrição.
O uso das Pancs foi tema da palestra virtual “Por uma cozinha mais sustentável: produção agroecológica e PANC”, proferida pelo professor titular do IF (Instituto Federal) Goiano Campus Urutaí Alcyr Viana, no dia 18/10. A apresentação faz parte do evento Alimento.com Ciência, promovido mensalmente pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) Alimentos e Territórios (Maceió -AL).
Pesquisador na área de Pancs como possibilidades gastronômicas, econômicas e sociais, Viana detalha que falar sobre o tema não é algo novo. Segundo o especialista, apesar de o acrônimo ter sido criado em 2007, quase todo mundo já deve ter provado uma na infância. “Quase tudo que é nativo do Brasil é considerado Panc. Mas essa definição depende muito da região. A vinagreira, por exemplo, não é Panc no Maranhão. Ao contrário, é uma planta largamente utilizada em um dos pratos típicos do estado, que é o Cuxá. O jambu e a chicória cabocla não são Pancs no Pará, mas em outras regiões do Brasil não é fácil encontrar essas plantas no mercado”, explica.
Para popularizar e difundir os benefícios das Pancs na alimentação, o professor diz que o IF Goiano e outros parceiros têm realizado diferentes projetos, como Panc nas Escolas, Panc nas feiras, Projeto Quilombo Sustentável em Redes, além de palestras, cursos, oficinas e divulgação em redes sociais.
Viana comenta que a gastronomia sustentável é um conceito que vem sendo amplamente difundido por profissionais do mundo todo. “É preciso mostrar o que está por trás do prato. Comer é também um ato político, principalmente relacionado à questão social e ambiental”, aponta. Dentro desse contexto, descreve o professor, a produção agroecológica é a que faz mais sentido, por ser culturalmente sensível, socialmente justa e economicamente viável.
Desafios para as Pancs
Por ainda serem pouco conhecidas pelo grande público, um dos desafios para a popularização das Pancs seria o fazer os clientes conhecerem os produtos e pratos que podem ser preparados com as plantas. “Hoje somos obrigados a comer o que o sistema nos impõe. Das dez frutas mais consumidas no Brasil, nenhuma é brasileira, e dos ingredientes quentes, somente a mandioca é originária do Brasil”, lamenta.
Os desafios climáticos e a consequente perda da biodiversidade que sustenta os sistemas alimentares atuais foram razões expostas por Viana para a popularização das Pancs. “Em alguns anos, vai ser impossível manter a alimentação como é feita hoje. Várias regiões já utilizam somente proteínas encontradas localmente para evitarem alterações ambientais. Isso tudo nos traz um questionamento sobre o que vamos comer nas próximas décadas”, pontua o professor.
Além das Pancs, algumas opções já trabalhadas pelo mercado como alternativa para a alimentação humana incluem o uso de insetos (“já há grandes grupos produzindo alimentos à base de insetos", frisa o professor), algas, fungos e carnes produzidas em laboratório.
Comida no quintal
“Há pessoas que têm comidas em seus quintais, mas estão passando fome porque as desconhecem e acham que são mato”, coloca o professor, explicando que as Pancs não são só folhas, mas podem ser tubérculos, raízes, talos, cascas de alimentos, brotos e sementes. “Aproveitamento de alimentos não é coisa de pobre, também fazemos isso na alta gastronomia”, defende.
Viana alerta que é importante conhecer bem as plantas e contar com a ajuda da ciência para saber as que podem ser consumidas. “A taioba, por exemplo, não pode ser comida crua, pois tem uma toxina chamada ‘oxalato’ que é prejudicial à saúde”, afirma.
De acordo com ele, o Brasil possui mais de 1000 Pancs, muitas delas ricas em proteínas, vitaminas, minerais, fibras, ômega 3 e outros compostos nutricionais de alto valor para a saúde. “É possível utilizar esses alimentos em restaurantes, porque são cheios de sabor, identidade e aspectos tradicionais. As cascas de legumes e frutas adicionam sabor, os talos aromatizam, até a bucha vegetal pode virar uma bucha à parmegiana, bucha recheada, uma caponata ou patê de bucha”, sugere o professor.
A pesquisadora da Embrapa Alimentos e Territórios Priscila Bassinello detalha sobre o trabalho de capacitação realizado com as merendeiras de Alagoas, que busca inserir algumas PANCs regionais como a Palma na alimentação escolar. “Numa capacitação que fizemos as próprias cozinheiras comentaram que a Palma era alimento para o gado, havia muitas dúvidas em relação à segurança do consumo e ao preparo”, fala.
Segundo o professor, é preciso ir aos poucos descontruindo padrões e ressignificando as matérias-primas. “Muitas vezes a própria comunidade não valoriza alguns alimentos. Muitos também não querem sair da zona de conforto, pois é muito mais fácil utilizar enlatados e ultraprocessados. Por isso é tão importante a estratégia de divulgação presencial, mostrar na prática, em oficinas, o que pode ser feito. É possível fazer uma cozinha excepcional com o que nós temos. Nossa política deve ser valorizar as PANCs na gastronomia”.
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