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Pistorius, história de superação, confusões e peripécias

14 fev 2013 às 15:49

Acusado de ter assassinado a namorada, o sul-africano Oscar Pistorius é considerado um dos maiores nomes do esporte paralímpico atual, quebrando barreiras ao longo da vida. A principal delas aconteceu em Londres, no ano passado, quando se tornou o primeiro atleta bi-amputado a disputar os Jogos Olímpicos no atletismo. Mas isso só veio após muita luta para provar que suas próteses não traziam vantagem contra os demais competidores.

Pistorius começou a praticar atletismo no fim de 2003, e já no ano seguinte conseguiu se destacar e obter a vaga na Paralimpíada de Atenas. Nos Jogos, ganhou ouro nos 200m T44. Com o resultado, o sul-africano passou a nutrir o desejo de competir entre os "olímpicos".


Em março de 2005, Pistorius participou do Campeonato Nacional da África do Sul, e ficou em sexto nos 400m. Por conta dos bons tempos, recebeu convite para participar do Grand Prix de Helsinque (FIN), mas abdicou. Em julho de 2007, enfim, fez sua estreia internacional contra atletas sem deficiência na etapa de Roma da Liga de Ouro. Ficou em segundo na final "B", com 46s90.


Em novembro de 2007, Pistorius foi instado a fazer testes com técnicos da Federação Internacional de Atletismo (Iaaf). As avaliações, feitas pela Universidade de Esportes de Colônia (ALE), atestaram que as próteses Flex-Foot Cheetah lhe garantiam vantagem contra competidores sem deficiência. Depois de júri, a Iaaf o baniu de eventos com atletas "olímpicos".


Inconformado com a decisão, Pistorius recorreu à Corte Arbitral do Esporte (CAS) e fez testes em uma universidade de Houston (EUA) que provaram que ele não tinha vantagem sobre atletas "normais". A CAS julgou o caso do sul-africano em maio de 2008 e lhe deu ganho de causa. O atleta, porém, sem tempo hábil para obter classificação, ficou fora da Olimpíada de Pequim, em agosto de 2008. Na Olimpíada de Londres, Pistorius foi até a semifinal dos 400m. Com a equipe do revezamento 4x400m, se classificou para a final.


Pistorius nasceu no dia 22 de novembro de 1986, em Johannesburgo, na África do Sul,sem as duas fíbulas - osso na face lateral da perna que dá suporte aos músculos - e teve suas pernas amputadas ainda criança. Seis meses após a cirurgia, ganhou suas primeiras próteses e, mais tarde, a ligação com o esporte começou. Debandou pelo rúgbi, tênis e luta olímpica antes de, como que por acaso, principiar no atletismo já tardiamente, aos 17 anos.


Em pouco tempo, foi de aprendiz a fenômeno: levou quatro medalhas de ouro nas Paralimpíadas de Atenas-2004 e Pequim-2008, e participou da conquista da medalha de prata da África do Sul, no revezamento 4x400m no Mundial de Daegu (CDS), em 2011. Considerado o paralímpico mais rápido do mundo, ganhou o apelido de "Blade Runner", em alusão ao famoso filme de Ridley Scott, por conta das próteses que utiliza. No ano passado, a revista "Times" o elegeu uma das 100 pessoas mais influentes no mundo.


Na Paralimpíada de Londres, no ano passado, ganhou mais duas medalhas de ouro, porém ficou com a prata nos 200m (T44) ao ser superado pelo brasileiro Alan Fonteles, que utiliza próteses semelhantes às do sul-africano e que já tinha sido apelidado de "Pistorius Brasileiro". Pistorius chegou a reclamar, após a derrota, afirmando que as próteses do rival estariam irregulares. Depois, se retratou.


Filho do meio de três irmãos, Pistorius, antes de se tornar o campeão atual, conviveu com outras dificuldades, além da deficiência. Com seis anos, viu seus pais se divorciarem. Nove anos depois, perdeu a mãe, que falecera depois de sofrer choque anafilático após uma cirurgia. Com o pai, dono de uma mina, tem pouco contato atualmente.


Desde cedo, Pistorius aprendeu a falar inglês. Com seu técnico e com seu empresário, no entanto, prefere falar em africâner, idioma dos colonizadores holandeses e do apartheid, regime de segregação racial na África do Sul, que durou entre 1948 e 1994.


Por falar em seu treinador, Jannie Brooks, os treinos do sul-africano são, no mínimo, curiosos. Pistorius realiza seu trabalho físico na casa de seu personal trainer, em uma garagem convertida em ginásio, em Pretória, onde vive atualmente. No local, estão diversos aparelhos, alguns de improviso, para a musculação. Além dos exercícios tradicionais, ele costuma vestir luvas de boxe para desferir socos nas luvas do treinador.


Quem convive com Pistorius ressalta seu temperamento incomum e algumas peripécias já cometidas pelo atleta. Uma delas aconteceu após a Paralimpíada de Pequim. Ele sofreu grave acidente de barco. Ficou cinco dias no hospital por ter a órbita ocular danificada e duas costelas e a mandíbula quebradas. O acidente parece não ter impedido o sul-africano de cometer estripulias, mesmo com sua vida de atleta. Anos depois, bateu numa cerca quando andava de bicicleta num capinzal. Uma de suas próteses ficou presa em arame farpado. Se fosse uma perna "normal", poderia ter sido um acidente bem mais grave.


No ano passado, a revista "Piauí" publicou reportagem feita pela "The New York Times Magazine" em que o repórter Michael Sokolove passou alguns dias com Pistorius em Pretória. O jornalista relatou outras peripécias do sul-africano como, por exemplo, andar a 250 quilômetros por hora em seu Nissan GT-R num dia de chuva.


De fato, Pistorius é um apaixonado por velocidade não só nas pistas de atletismo, mas também fora delas. Ele gosta de motos, foi sócio de uma empresa que conserta Ferraris e possui seis cavalos de corrida puro-sangue. Com relação a animais, também foi dono de dois tigres brancos africanos. Porém, quando os dois bichos chegaram a 180 quilos cada, os vendeu para um zoológico no Canadá. Pistorius, no entanto, ainda é dono de três cachorros: um bull terrier inglês, um pit bull americano e um mestiço de dachshund.


Em sua casa de estilo mediterrâneo encravada numa encosta de montanha, dentro de um condomínio fechado, em Pretória, o repórter americano relatou a sintuosidade do local, com destaque para uma mesa na sala de jantar para 16 pessoas. Mas o que mais chamou a atenção do repórter foi um episódio envolvendo uma pistola nove milímetros.


Na ocasião da reportagem, em janeiro de 2012, Pistorius morava com um engenheiro lutador de MMA e tinha rompido um relacionamento com uma namorada. Mas, segundo a matéria, uma outra jovem já estava preparada para substitui-la. Durante o jantar, o sul-africano contou a Sokolove que, certa vez, o alarme de segurança da casa havia disparado numa noite. O atleta, então, pegara sua arma e fora averiguar. Não viu nada.


A curiosidade do repórter falou mais alto e ele quis saber mais detalhes sobre o tipo de arma. Ao tomar conhecimento que Sokolove numa tivera uma arma de fogo, Pistorius o levou para um estande de tiro. No local, o sul-africano instruiu o jornalista sobre a melhor técnica para atirar com a pistola nove milímetros. Sokolove elogiou o "treinador" pois alguns de seus tiros chegaram perto do centro do alvo. Encantado, Pistorius afirmou que, com mais treino, o repórter poderia se tornar bastante letal. Perguntado sobre a frequência com que ia ao estande de tiro, o atleta disse: "Só quando não consigo dormir".


Mas Pistorius também consegue ser uma pessoa centrada. E não só dentro das pistas. Na Cidade do Cabo, na África do Sul, trabalha com a ONG Beyond Sport ajudando crianças carentes. Em episódio relatado por Sokolove, o sul-africano relatou que, certa vez, retirou a televisão do quarto para não ficar acordado até de madrugada assistindo a vários filmes. Também programou seu telefone para não receber mensagens á noite. Porém, passou a ler até de madrugada.

No ombro esquerdo, Pistorius tem uma tatuagem com versículo da Bíblia, da Primeira Epístola aos Coríntios, feita em Nova York, nos EUA. Na ocasião, não conseguia dormir, deixou o hotel no Soho, entrou num estúdio de tatuagem de um porto-riquenho e mandou escrever o trecho, que diz: "corro, mas não sem rumo certo".


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