Atleta na Olimpíada de 1976 e único técnico a conquistar medalhas de ouro com as seleções brasileiras masculina e feminina de vôlei, José Roberto Guimarães, 66, se sente no escuro para entregar uma lista com apenas 12 nomes que vão defender o Brasil nos Jogos de Tóquio. A cerimônia de abertura do megaevento está marcada para 23 de julho.
As restrições adotadas para o combate ao coronavírus minaram parte do processo de avaliações, e o treinador ainda não está convicto nem mesmo sobre a realização do evento no Japão em meio à pandemia de Covid-19.
"Não dá para fazer de qualquer maneira. Temos que preservar vidas humanas, o povo. Olimpíada pode ter em qualquer ano, mas a vida, não", ele afirma em entrevista à reportagem.
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Com o técnico tricampeão no comando, a seleção feminina, vencedora em 2008 e 2012, caiu nas quartas de final nos Jogos do Rio-2016 e corre por fora na briga por uma medalha em Tóquio.
Após a temporada de seleções ter sido suspensa em 2020 por causa da pandemia, Zé Roberto, também treinador e gestor do time de Barueri, retomou o trabalho com as convocadas no início do mês e teve que lidar com ausências importantes: das centrais bicampeãs olímpicas Fabiana (que deu à luz no dia 17) e Thaisa (se aposentou da seleção no último dia 6 para se preservar fisicamente).
Uma de suas apostas para rejuvenescer o grupo é a ponteira Ana Cristina, 17, revelação do Sesc-Flamengo na última Superliga.
As seleções feminina e masculina começaram a trabalhar para a Olimpíada no dia 5 de abril, no centro de desenvolvimento da CBV (Confederação Brasileira de Voleibol), em Saquarema (RJ). Antes dos Jogos, a principal competição será a Liga das Nações, na Itália, a partir de 25 de maio.
Renan Dal Zotto, técnico da seleção masculina, e Radamés Lattari, vice da CBV, contraíram a Covid-19 no período em que estavam frequentando o local e precisaram ser intubados. O dirigente já recebeu alta, enquanto o treinador se encontra sedado e sob ventilação mecânica.
Profissional de educação física, Zé Roberto já tomou as duas doses da vacina contra a Covid-19 e afirma que tem mantido os cuidados para evitar contaminação. O treinador também contou que ainda não bateu o martelo sobre a decisão de se aposentar da seleção depois de Tóquio, como havia anunciado em 2019.
Pergunta - O que tem de diferente na preparação para Tóquio em meio à pandemia?
José Roberto Guimarães - É tudo muito atípico. Precisamos fazer um planejamento diferente do que já vivemos anteriormente, em todos os sentidos. Infelizmente não deu para sair [do país] observar as jogadoras, como sempre fiz. Estamos tendo que adequar números de atletas, comissão técnica. Pode ser que tenhamos que substituí-los [em caso de infecção pelo coronavírus], então os prazos de inscrições, substituições estão sendo estudados com a Federação Internacional (Fivb) e o Comitê Olímpico Internacional. São coisas que tínhamos prontas, prazos estabelecidos, e agora tem que readequar tudo. Não tem como fechar questão nessa situação.
Depois de um ano de inatividade para a seleção, como foi esse reencontro em Saquarema?
JRG - Estou sentindo o grupo com vontade e muita saudade da seleção. As vagas estão abertas, devemos ter amistosos antes da viagem para Itália, no dia 20 de maio. As meninas estão ávidas para representar o Brasil. Senti o grupo muito ansioso para chegar a esse momento.
Essa pausa forçada em 2020 contribuiu para o aspecto físico das atletas?
JRG - Passamos por períodos bem difíceis neste ciclo. Tivemos em 2017, 2018 muitas contusões, a Thaisa, depois a Natália, a Gabi. Várias jogadoras que tiveram problemas físicos precisavam de um tempo. Acho que essa situação colaborou um pouco para se recuperarem. Mas se precisasse jogar uma Olimpíada em 2020, tínhamos um grupo teoricamente pronto. A Fabiana estava disponível. O fato [adiamento] também ajudou de uma certa forma algumas jogadoras, mas causou algum tipo de problema. Não que eu veja a gestação da Fabiana como ter causado problema, não é isso. Jogadoras se programavam para [planos pessoais] depois da Olimpíada, também não podem ficar esperando. Vamos sentir a falta de uma jogadora como ela, mas tudo no seu tempo.
Quais atletas, hoje, já estão garantidas na lista das 12 para Tóquio?
JRG - Tenho algumas dúvidas de lutas por posições, e isso acontece em qualquer competição. E a luta é muito forte, espero que ocorra tudo bem e realmente a gente consiga a melhor opção. Vamos olhar os números, o empenho.
Quais são essas dúvidas?
Eu não gosto de falar isso, porque tem tanta coisa que pode acontecer no meio dessa caminhada. Se a gente fechar uma questão por aqui, aí acontece o problema e você precisa pegar outra jogadora.
Você contava com a Thaisa? Também ficou surpreso com sua aposentadoria da seleção?
JRG - Contava. Tinha uma expectativa muito grande, até porque havia conversado com ela e estava tudo OK. Mas também entendo e respeito a decisão. Sei o quanto ela sofreu na recuperação [da cirurgia no joelho]. Sei o que ela passou, chorou, o quanto ela tentou. Graças a Deus, a Thaisa se recuperou bem. Hoje ela está numa forma excepcional. Mas também sei o sacrifício que ela está fazendo para jogar, e ela quer jogar por mais tempo. Sinto muito de não poder contar com ela, porque hoje é um das melhores centrais do mundo. Para mim, é a melhor central do mundo. Não poder contar com Thaisa na briga por uma medalha é muito ruim.
É difícil, apesar de toda sua vivência, não levar para o lado pessoal um pedido de dispensa?
JRG - Fui jogador e tive problemas físicos. Sei dos sacrifícios que um jogador ou uma jogadora faz. Tem que levar em consideração vários aspectos. O ideal é que nada disso acontecesse em um ciclo olímpico, tivesse o grupo o tempo inteiro, mas o processo vai mudando. As jogadoras, muitas vezes, se tornam mãe durante o ciclo. Isso faz parte do universo feminino, sabemos que pode vir a acontecer e por isso tem que ter um grupo maior. Outras situações com lesões, problemas emocionais, isso acontece com todo mundo. Tem que entender esse lado, depois a situação de voltar a dar chance. Agora, lógico que você precisa dar prioridade para quem batalhou o ciclo inteiro.
Aos 37 anos e vindo de uma temporada nos EUA, como a Sheilla poderá ajudar em Tóquio?
JRG - A Sheilla é bicampeã olímpica e merece todo o nosso respeito. Sabe jogar voleibol, sabe que precisa evoluir na parte física e correr atrás. Sabe também de todos os nossos critérios. Se ela estiver abaixo como jogadora, pode vir a ser cortada. É uma jogadora importante, experiente, mas sabe também que tem que derrubar a bola. É uma das jogadoras mais inteligentes com quem já trabalhei, pode ajudar dentro e fora [de quadra].
A Ana Cristina demonstrou personalidade na Superliga e foi convocada. Pode estar em Tóquio?
JRG - É uma jogadora bastante interessante, fez 17 anos agora e já mostrou a que veio. Tem muita qualidade não só no ataque, mas uma boa leitura de bloqueio e um passe bastante interessante. Saca muito bem. Está num caminho ótimo de desenvolvimento, tem grande chance. Tenho uma certa experiência com algumas jogadoras que chegaram nessa idade na seleção, como a Fabi, a Natália. E ela não deixa nada a desejar. Para mim, veio para ficar. Boa menina, ótima formação, tranquila. Gosta de treinar, ouve bastante, procura perguntar e fazer as coisas. Muito querida pelo grupo, e todo mundo tenta ajudar e orientá-la. Bacana de ver como o grupo está agindo com a participação dela.
Qual análise pode ser feita do grupo do Brasil?
JRG - O Japão joga em sua casa e é uma seleção chata, a bola vai e volta, precisamos ter paciência com a defesa. É um time com muita velocidade e extremamente técnico. A Coreia, o técnico [Stefano Lavarini] trabalhou no Brasil, é um time semelhante ao Japão. A Servia é atual campeã mundial e tem a Boskovic, oposta que é das melhores do mundo. Se tiver no dia dela, é difícil segurar. Depois tem a República Dominicana, que o técnico trabalhou com a gente até 2007 na seleção nacional, o Marcos [Kwiek], que vem fazendo um trabalho excepcional. Então, não vai ter moleza. Talvez o Quênia, que vai ser dirigido pelo Luizomar [de Moura, técnico do Osasco], seja o mais fraco do grupo.
Acredita que com a proximidade dos Jogos a população brasileira entrará no clima, apesar da pandemia?
JRG - Da mesma maneira, não. Uma coisa é a falta da torcida, aquele glamour de ginásios, estádios lotados. Do público estar próximo do ídolo, ali torcendo pelo seu país. Aí tem o lado das pessoas que estarão em casa, torcendo para o Brasil, e a vida precisa seguir com todos os cuidados. Acho que isso vai ser uma energia bastante legal, mas muito diferente das outras Olimpíadas, sem dúvida, até porque perdemos muita gente.
Você é a favor da realização dos Jogos?
JRG - Lógico que, se os números estiverem subindo, nem o Japão vai querer realizar a Olimpíada. Se estiverem declinando, é possível com certa segurança. Se estiverem subindo, sou contra. Não dá para fazer de qualquer maneira. Temos que preservar vidas humanas, o povo. Olimpíada pode ter em qualquer ano, mas a vida, não. Então vamos aguardar e, se tudo estiver caminhado, estamos aqui nos preparando. Mas se disser que não vai ter, paciência, vamos ficar triste, lamentar, mas fazer o quê?
É a favor de o governo federal vacinar os atletas?
JRG - Se o quantitativo das vacinas destinadas para os atletas não atrapalhar a vacinação da população em geral, não vejo problemas.
Como tem lidado com as informações sobre o estado de saúde do Renan Dal Zotto?
JRG - Tenho acompanhado com muita apreensão as notícias do Renan. Ele tinha tido uma melhora bastante grande e voltou a ser intubado. Lógico que causa muita apreensão para todos nós que torcemos muito para a pronta recuperação dele. Mas a gente sabe que isso vai acontecer, torce para que aconteça o mais prontamente possível. É importante em todos os sentidos, mas está todo mundo muito chateado, muito triste por isso, espero que o Renan consiga passar logo por esse momento de dificuldade. Estamos todos rezando por ele.
Você anunciou que deve se aposentar da seleção depois de Tóquio...
JRG - Não. Tinha dito, mas talvez.
Você se arrependeu?
JRG - Não é que me arrependi. Esse trabalho que fiz em Barueri me deu outro alento. Essa motivação de trabalhar com jogadoras mais jovens foi muito importante, formar essas atletas. Com todas as dificuldades que passamos, foi interessante. Enquanto eu tiver essa energia e gostar de ensinar e de estar na quadra, eu vi que essa é a minha vida. Com todas as lutas, vamos continuar, vamos embora. Mas vai depender do resultado em Tóquio, se a gente tiver Olimpíada.
JOSÉ ROBERTO GUIMARÃES, 66
Nascido em 31 de julho de 1954 em Quintana, São Paulo, Zé Roberto foi jogador de voleibol, atuando na Olimpíada de 1976. Como técnico, conquistou o ouro olímpico com a seleção masculina em Barcelona-1992 e dois ouros com a seleção feminina, em Pequim-2008 e Londres-2012.