Dez dias após celebrar a melhor campanha da história do esporte feminino do Brasil nos Jogos Pan-Americanos, com as mulheres ganhando mais medalhas do que os homens pela primeira vez, o Comitê Olímpico do Brasil (COB) demitiu a coordenadora de Esportes Femininos da entidade, a medalhista olímpica Isabel Swan.
Em nota à coluna, o COB disse que optou por realizar mudanças na área Mulher no Esporte "por decisão executiva". "Duas novas colaboradoras, já integradas à equipe, serão responsáveis por conduzir os programas pertinentes", informou o comitê.
Isabel Swan, medalhista de bronze na vela em Pequim-2008, havia sido contratada em junho de 2021, para fazer uma "análise minuciosa da participação feminina no esporte brasileiro tanto no ambiente competitivo como fora dele", pelo que divulgou o COB à época. No texto anunciando a contratação dela, o comitê citou que naquele momento mulheres ocupavam "sete dos 12 cargos diretivos e de gerência da entidade".
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Hoje, das oito diretorias do COB, só uma é ocupada por mulher. Nas 11 gerências existem cinco mulheres, segundo o COB. Assim, a participação feminina no alto comando do COB, que era de 58% há dois anos, caiu para 31%.
À coluna, Isabel disse que vinha tendo dificuldades de implementar seus projetos. "Era difícil trabalhar, porque eu tinha uma autonomia maior no começo. Essa estrutura foi modificada e eu comecei a não participar de tomadas de decisão. Tinha que passar sempre por autorização muito restritiva para que as coisas andassem. Passei a ficar com dificuldade de trabalhar, dificuldade de ter autorização, emails não respondidos", contou a velejadora, que abriu mão de uma cadeira na comissão de atletas do COB para assumir o cargo e faz parte da comissão de atletas da PanAm Sports.
Ela citou que a palavra final sobre os projetos voltados ao esporte feminino era de homens. "Nos últimos meses eu estava com muita dificuldade de trabalhar, passava por autorização de uma liderança que é masculina. É necessário ter mais mulheres. É um processo que é demorado, lento, mas a maior participação de mulheres é importante", afirma.
Isabel, que antes do COB havia trabalhado na consultoria Ernst & Young, acredita que deixou um legado no comitê. "Eu acho que o movimento esportivo ainda não está preparado para lidar com as mulheres, mas a gente avançou. Não a passos largos, mas, com aval da diretoria, a gente tem uma comissão da mulher atuando, uma política de equidade interna associada a um plano de ação, diversos trabalhos de investimento no esporte feminino a partir de editais, foco em treinadoras. Avanços foram feitos, mas efetivamente não no ritmo que eu gostaria. É um processo de mudança de cultura que não é da noite para o dia. Fico feliz de ter contribuído um pouquinho."
O Olhar Olímpico apurou que um dos motivos alegados internamente para a demissão de Isabel foi o fato de ela estar fazendo campanha olímpica na classe 470 da vela. A medalhista olímpica nunca deixou de velejar, apresentou pedido ao compliance do COB para poder disputar o Mundial de 470 no ano passado, e foi autorizada. O barco dela e de Henrique Haddad terminou em 38º e mostrou-se competitivo para se classificar a Paris-2024 pelo Mundial do ano que vem.
"Sempre deixei muito clara minha posição para todos. Não havia conflito de interesse, passou pelo compliance, e eu treinava e competia nas minhas horas vagas. Pretendia inclusive pedir licença para disputar o Mundial em fevereiro", detalhou. A competição, em Palma de Mallorca, na Espanha, vai definir os últimos classificados para Paris-2024 na vela e distribuir as vagas continentais da 470.