A Chapecoense recebeu pelo menos quatro notificações, com data da última sexta-feira (4). Enviados por familiares das vítimas da queda do avião da LaMia, os documentos informam que o clube deve retirar de seu site "imagem, nome e apelido desportivo" dos jogadores. E comunicam que a agremiação não deve usar para qualquer propósito a ligação que eles tiveram com a agremiação.
O texto remetido ao presidente Nei Maidana também solicita que as imagens dos mortos sejam apagadas das paredes da Arena Condá, "notadamente do túnel de acesso aos vestiários e ao campo", e dá o prazo de 48 horas para cumprimento. Recusa "ensejará a propositura de medidas judiciais cabíveis".
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A notificação é consequência da inadimplência da Chapecoense em acordo judicial feito com as famílias em ações trabalhistas e assinado em em julho de 2020. Por causa do não pagamento, a CPI da Chapecoense aprovou nesta quarta-feira (9), a convocação do presidente Nei Roque Mohr (conhecido como Nei Maidana) e do ex-mandatário Plinio David de Nes Filho.
Eles deverão comparecer à comissão no próximo dia 17.
Até o início desta semana, a Chapecoense tinha uma seção em seu site chamada "Força Chape", com as fotos das vítimas da queda da aeronave da LaMia nos arredores de Medellín, na Colômbia, que matou 71 pessoas em novembro de 2016.
Na última terça-feira (8), a página foi retirada do ar. Segundo as viúvas, o espaço era usado também para angariar doações para a reconstrução do clube.
A reportagem entrou em contato com a Chapecoense na terça pela manhã. Até a publicação deste texto, não houve um posicionamento sobre o assunto da diretoria ou do presidente Nei Maidana.
O clube havia feito um acordo coletivo na Justiça do Trabalho referente a 26 ações de familiares de vítimas do acidente. Foi dada como garantia de pagamento a verba de sócio-torcedor. Seriam R$ 250 mil nos primeiros 12 meses, R$ 350 mil pelos 12 seguintes e depois R$ 250 mil até a quitação das dívidas.
A partir do final de 2021, algumas famílias pararam e de receber. Em janeiro deste ano, a Chapecoense passou a descumprir integralmente o acordo. Poucas semanas depois, a Justiça atendeu a um pedido de recuperação judicial da agremiação, que teve um projeto de se tornar Sociedade Anônima aprovado pelo por seu Conselho Deliberativo, mas continua a ser uma associação desportiva.
Segundo o ex-presidente Gibson Sbeghen, a dívida é de cerca de R$ 120 milhões.
"A decepção com a Chapecoense só aumenta. Após o acidente, a relação sempre foi horrível. E, por fim, há a recuperação judicial. A maior decepção é com Nei Maidana, que carregou minha filha no colo e dizia que éramos uma família. Eu não trataria assim a minha família, mas desejo que a família dele não passe pelo que estou passando agora", protesta Patrícia Gimenez, viúva do volante Gimenez.
Ela foi uma das que enviaram notificação para o presidente. As outras foram Valdécia Borges de Morais Paiva, viúva do volante Gil, Barbara Lima da Silva, filha do atacante Ailton Canela (documento assinado pela mãe, Priscila Lima), e Girlene Dominues, viúva do atacante Bruno Rangel.
Ao jornal Folha de S.Paulo, no final de janeiro, o vice-presidente de marketing da Chapecoense, Alex Passos, explicou que a situação financeira era crítica e que os recursos dos sócios-torcedores eram o que restava para manter o futebol em funcionamento.
"Não temos recursos. Estamos desesperadamente tentando deixar condições para que o time de futebol que representa a Associação Chapecoense de Futebol possa jogar, pois nosso produto é o futebol. Se não houver futebol, não teremos mais nada e nenhum tipo de receita", disse ele.
Em contato com representantes das famílias e com viúvas, dirigentes têm pedido compreensão e dito que a Chapecoense também é vítima em toda essa situação.
"Fui surpreendido com a atitude delas [das familiares]. Fui comunicado dos fatos, mas isso só ressalta o sentimento de angústia e reprovação das atitudes que a Chapecoense tem tomado desde que aconteceu a tragédia. Gera preocupação grande a nós por causa de todas as viúvas e pelas condições familiares delas. Como não temos solução com relação ao seguro, teremos mais famílias em situações de fragilidade financeira", afirma Marcel Camilo, advogado das famílias que enviaram as notificações.
Ele se refere à apólice da aeronave. Feita pela seguradora boliviana Bisa, teve a Aon como corretora e a Tokio Marine Kiln como cabeça de um grupo de 13 resseguradoras, quase todas multinacionais. Estas se recusam a pagar o seguro porque a LaMia teria desrespeitado os termos do seguro ao voar para a Colômbia e estava atrasada em prestações.
Nesta quarta, também foi aprovada a convocação de representante da Tokio Marine, assim como a do presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, e a de representante da Petrobras. As duas estatais possuem contratos com a resseguradora envolvida com a apólice da LaMia.
Em decisão da Justiça norte-americana, o valor da causa foi fixado em US$ 844 milhões (R$ 4,4 bilhões em valores atuais). A Bisa não tem mais escritório no Brasil e não se manifesta sobre o assunto. A Aon afirma ter feito apenas a corretagem. A Tokio Marine Kiln informa ter criado um fundo humanitário para auxiliar as famílias que desejarem participar. Mas elas, para isso, têm de abrir mão de todas as causas judiciais referentes à apólice, no Brasil e no exterior.