Da carroceria de uma caminhonete, um repórter cinematográfico tomava imagens de um pequeno povoado no interior da Ucrânia. A equipe de reportagem, composta por jornalistas sul-americanos, seguia pela estrada a caminho de Lviv, uma das tantas cidades atacadas pelo exército russo, quando dois carros da polícia local surgiram e pediram que o veículo deles parasse.
As autoridades solicitaram passaportes e outros documentos, além de recolheram as câmeras, os notebooks e os celulares dos profissionais de imprensa. Dali, foram levados para a delegacia, onde a comunicação se viu pouco fluida.
Não ajudou o fato de que Juan Zamudio, o cinegrafista que filmava da caminhonete, tinha um carimbo de passagem pela Rússia no seu passaporte. Ele esteve na cobertura da Copa do Mundo de 2018, sediada no país governado por Vladimir Putin, responsável pelos bombardeios e ataques que assolam o território ucraniano há três semanas.
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"A diferença de idioma foi um problema. Eles suspeitam às vezes que possamos estar gravando imagens para enviar informações à Rússia ou algo do tipo. Já havia acontecido anteriormente. Em um momento, eles percebem que somos argentinos e em uma frase, dita em ucraniano, entendemos apenas as palavras 'Maradona' e 'Messi'", conta Zamudio, que tem 36 anos e trabalha há 17 no canal Telefe, à reportagem.
"É aí que, para aliviar um pouco a situação, mostro a tatuagem que eu tenho do Maradona [na panturrilha]. Por sorte, o tratamento mudou por completo."
Junto do cinegrafista argentino estava o repórter chileno Daniel Matamala, que mostrou aos policiais ucranianos uma foto sua ao lado de Lionel Messi.
A confirmação - ou a impressão descartada pelas autoridades - de que os jornalistas estavam a serviço da Rússia permitiu a eles recuperar os equipamentos e seguir em direção a Lviv. Gol de Messi, milagre de Maradona.
"Eu amo o Diego desde criança e sempre foi o meu ídolo", diz Zamudio, que é torcedor do Boca Juniors, clube pelo qual Maradona conquistou seu único título argentino na carreira, em 1981, e onde se aposentou do futebol, em 1997.
A idolatria pelo jogador pode ser vista não apenas na pele, mas também em uma conta de Instagram que ele administra com o nome "Diego de mi vida". A página reúne fotos e vídeos da carreira do eterno camisa 10 argentino, que morreu em novembro de 2020, aos 60 anos.
Juan Zamudio fez a tatuagem ainda adolescente, quando tinha 15. Hoje, a imagem já está desgastada, mas deverá permanecer dessa forma. Recordação do dia em que Maradona o livrou de apuros na guerra.
"Eu fiz há mais de 20 anos, por isso está apagada. Mas também não vou retocar não", ri o argentino, enviado à Ucrânia para fazer a cobertura do conflito.
O relato de Zamudio é curioso, mas não representa uma novidade. Ao menos não para a Igreja Maradoniana, fundada em 2001 como um movimento de culto ao ídolo.
Hernan Amaz, o fundador da igreja, diz ter recebido ao longo dessas duas décadas testemunhos semelhantes ao do cinegrafista argentino na Ucrânia. Inclusive em episódios de guerra.
Ele conta a história de um jornalista que cobria a Guerra do Iraque (2003-2011) e precisava passar por um controle fronteiriço na cidade de Bagdá para seguir rumo ao norte do país. Os soldados que realizavam a checagem de documentos não estavam convencidos de deixá-lo passar, até que viram uma foto de Maradona na carteira do repórter.
Entusiasmados, repetiram entre eles o nome do ex-jogador: "Maradona! Maradona!". O repórter conseguiu passar pelo controle e seguiu viagem.
"O futebol alcança essas coisas, esses milagres. Foi um milagre maradoniano", disse Hernan sobre o episódio.
Diego Armando Maradona morreu em 2020 após sofrer uma parada cardiorrespiratória. Seu legado, porém, continua. Nas lembranças, nas tatuagens e nos controles fronteiriços de guerras.