Futebol

Repórteres relembram noite em Londres com Sócrates

05 dez 2011 às 15:12

Era novembro de 2004, e, numa guinada publicitária bastante astuta, Simon Clifford, um dos introdutores do futebol de salão na Grã-Bretanha e dirigente de um time que disputava a liga semi-profissional do país, o Garforth Town, resolveu contratar os serviços de um ilustre visitante para realizar sessões de treinamento e "workshops" para sua jovem equipe.

Eis que chegou a Londres, o "doutor" Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, incumbido dessa missão por apenas algumas semanas.



Ao tomarmos ciência de que o doutor estava na cidade e que ele iria participar de um evento aberto ao público brasileiro, não hesitamos, tínhamos de estar lá.


O local escolhido para a palestra improvisada de Sócrates foi bem apropriado ao seu estilo boêmio — a casa noturna brasileira Guanabara, na região central de Londres, que oferecia uma fartura de cervejas e caipirinhas.


Ao lado do pequeno time do Garforth Town, Sócrates jogou apenas 15 minutos, mas, com o termômetro beirando a temperatura de 0ºC na maior parte do tempo, esse tanto lhe bastou.


Indagado se pretendia voltar aos gramados ao lado da equipe, ele foi taxativo: "Nem pensar, tá maluco? Quase morri!", brincou o ex-jogador, cuja silhueta, na ocasião, não fazia mais justiça ao apelido de "magrão".


Com 50 anos de idade, o ex-capitão da lendária Seleção Brasileira de 1982 ainda fumava avidamente e não largou mão da cervejinha ao longo do informal bate-papo.


Seria injusto dizer que Sócrates atendeu às nossas expectativas. Ele as superou. Inteligente e com a língua afiada, o doutor não tentou driblar temas espinhosos.


"Gerente de futebol no Brasil não entende nada de futebol, quanto mais de ortopedia, nutrição ou preparação física. Eu me preparei para isso, mas infelizmente não existe espaço no Brasil."


"Me preparei para ser gerente de futebol, acho que poucas pessoas têm as mesmas qualificações que eu tenho: médico especializado em medicina esportiva, curso de pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas em administração esportiva e ex-atleta. Dá para conversar tanto com o roupeiro como com o médico do time."


Nove em campo


O doutor defendeu a introdução de mudanças radicais no futebol mundial, como a redução do número de jogadores em campo para nove, o que, segundo ele, poderia favorecer o espetáculo, com a criação de novos espaços. "Tudo é muito certinho no futebol de hoje, o gol é um acidente", afirmou.


Sócrates mencionou ainda o fato de sempre ter sido um peixe fora d'água no futebol brasileiro.


"No meu caso específico, tem o agravante da minha postura política, questionadora, o fato de ser médico. É uma coisa meio maluca, as pessoas me enxergam meio como um bicho-grilo daqueles bem doidos."


"Depois que escrevi uma peça de teatro, então, devo ter ficado insuportável para muita gente", disse, aos risos.


Política, obviamente, não poderia ter faltado ao cardápio do papo de botequim e, novamente, ele mostrou não ter papas na língua ao criticar, até mesmo, o Partido dos Trabalhadores com o qual sempre foi identificado e do qual chegou a ser secretário de Esportes em Ribeirão Preto (SP).


O ex-craque afirmou que muitos que falavam mal do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pecavam pelo imediatismo, um defeito dos brasileiros que, segundo ele, eram "apressados por natureza", mas acrescentou que considerava a gestão Lula "frustrante" em diversos aspectos e que a política econômica implementada pelo PT no poder era "idêntica à que sempre foi feita".



Palavrão


Após ter pacientemente posado para fotografias e distribuído autógrafos, Sócrates quis aproveitar para curtir uma breve pausa, mas não teve êxito. O motorista designado pelo Garforth Town para levá-lo de volta a seu hotel começou a apressá-lo.


O motorista falava com ele em inglês, "Sir, we must go right now" (Senhor, temos que ir agora.) Ao que Sócrates, cujo inglês, como ele próprio confessou, se limitava a "gudináiti" respondia em português: "Mas já? Pô, eu quero tomar minha cerveja, relaxar".


O britânico se mostrava inflexível "I'm sorry, but we really must go" (Sinto muito, mas realmente temos que ir). Ao que o doutor fuzilou, em bom português: "Tá bom, eu vou, mas eu tou p...!".

Na boca do doutor, o palavrão soou tão elegante quanto um de seus passes de calcanhar.


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