Com salário de R$ 880, o meia Renan Assumpção pega metrô, trem e carona para sair de sua casa alugada na Vila Guilherme, zona norte de São Paulo, e chegar até Cotia, onde treina seu time, o Grêmio Barueri. Já tentou ir com seu Kadett azul, ano 1990, mas pesaram no bolso os R$ 30 diários de combustível. Nos últimos meses, diminuiu os passeios com a família. Ele aumenta a renda mensal com bicos em torneios amadores. São R$ 200 por jogo. Também revende materiais esportivos que adquire no Brás. Não pensa em desistir do futebol, mas confessa que a aprovação da mulher, Nayane, em um concurso público traz mais segurança. E passar em um concurso é uma alternativa para ele.
A trajetória de Renan não é uma exceção. Muito pelo contrário. Estudo divulgado pela CBF nesta semana aponta a desigualdade salarial entre os atletas do País. De acordo com a Diretoria de Registro e Transferência da entidade, 82,40% dos jogadores ganham até R$ 1 mil por mês. Isso significa um total de 23.238 atletas. Outros 3.859 atletas (13,68%) ganham entre R$ 1 mil e R$ 5 mil mensais e 381 jogadores ficam na faixa entre R$ 5 mil e R$ 10 mil a cada trinta dias (1,35%).
Ainda segundo os dados, apenas 226 jogadores (0,8% do total) formam a elite, com salários que vão de R$ 50.000 até mais de R$ 500.000. Desses atletas, apenas um teve salário superior a 500 mil no ano passado: o corintiano Alexandre Pato, emprestado ao Chelsea. O sistema considera apenas os salários registrados, sem contar os contratos de direitos de imagem.
A reportagem do jornal O Estado de S. Paulo acompanhou o jogador em seu trajeto de casa até o treino na última sexta-feira. Os vizinhos se tornaram fãs e torcem por ele. O percurso demorou uma hora e meia. Acostumado aos desafios do transporte público, Renan zanzava facilmente pelos vagões lotados das linhas norte-sul (azul) do metrô e leste-oeste (vermelha) da CPTM até o Osasco. A bolsa de material esportivo incomodou muita gente.
"No futebol, tudo pode acontecer. Se assinar um grande contrato, muda tudo", diz o meia que teve como grande momento de sua carreira uma passagem pelo Bragantino, em 2011.
O momento do Barueri não ajuda muito. Na lanterna da Série A3 do Campeonato Paulista sem somar nenhum ponto, o time corre o risco de ser eliminado. Os jogadores do clube ameaçam não entrar em campo neste domingo, em jogo contra o Catanduvense, por causa de atraso nos salários. Seria o segundo W.O., o que significa eliminação. Na primeira rodada, a equipe não tinha o número mínimo de jogadores registrados.
O sonho é mesmo a Europa ou a China. "O Ricardo Oliveira ganharia R$ 1 milhão por mês. Eu jogaria o resto da vida por isso", brinca.
Renan tem dois filhos, João Pedro e Bernardo. Hoje, o jogador do Barueri luta pelo sustento deles, mas diz "sim" quando perguntado se incentivaria que eles também fossem jogadores de futebol.
PUXADINHO - O zagueiro Rodrigo Sousa esteve na Europa em 2013. Ao longo de nove meses, defendeu o Portimorense, de Portugal. Ganhava 2 mil euros (cerca de R$ 8 mil) mais premiações por metas de R$ 10 mil. Aqui, seu salário no Nacional gira em torno de R$ 3 mil na Série A3. Ele comemora que o jogo contra o Primavera foi transmitido neste sábado pela Rede Vida. Dá "visibilidade", diz.
O defensor de 22 anos está construindo uma casa no terreno dos pais. Depois que a filha Luiza ficar maior, a sua mulher vai voltar a trabalhar. "Espero voltar para a Europa no ano que vem", planeja.
REALIDADE É PIOR FORA DE SP - As dificuldades que os jogadores de futebol encontram em São Paulo, no maior torneio do País, agravam-se nos estados menores. A falta de um calendário anual de competições dificulta o planejamento e a atrapalha a luta pela obtenção de patrocínios.
Na segunda divisão do futebol paranaense, o Cianorte joga todas suas fichas no acesso à elite. Com isso, os jogadores esperam reconhecimento do mercado e a chance de renovação de contrato. A maioria dos atletas se enquadra na pesquisa da CBF que mostra que 96% ganham até R$ 5 mil.
"A gente se entrega para conseguir o acesso. Caso contrário, corremos o risco de desemprego no segundo semestre", diz o zagueiro Diego, de 31 anos. "Nossa realidade é apertada financeiramente. O salário nunca atrasou, mas vivemos como a maioria da população brasileira", conta.
O Juazeirense, conhecido com o "Cancão de Fogo", está em terceiro lugar em seu grupo no Campeonato Baiano. Na Copa do Nordeste, está na mesma posição, e vai disputar a Copa do Brasil. Com uma folha salarial de R$ 100 mil - os grandes do Nordeste gastam em média R$ 10 milhões - , o time pretende ficar entre os quatro melhores do torneio local para voltar aos torneios regionais na próxima temporada.
Nesse contexto, os atletas lutam por uma chance em um grande time. O zagueiro Lucas se sente incomodado por não poder ajudar a família como gostaria. O salário mínimo dá apenas para seus gastos pessoais, como transporte, roupas, chuteira e suplementos alimentares. Filho único de um vigilante e de uma dona de casa, o defensor pensa lá na frente.
"A gente tem de abdicar de algumas coisas agora, como viagens e passeios. Hoje, não posso ajudar muito, mas vou conseguir garantir o conforto de todos no futuro", diz o jovem de 19 anos.