Enquanto posa para as fotografias da reportagem, a atacante Glaucia, 27, imita as poses de Gabigol e Cristiano Ronaldo. Brincalhona, mostra no rosto a felicidade de quem quer estrear com a camisa do São Paulo depois de uma grande temporada em 2019.
No ano passado, pelo Santos, a jogadora anotou 14 gols e distribuiu 14 assistências no Campeonato Brasileiro. Foi eleita a melhor atacante da competição.
Com essa credencial, é a esperança de gols da equipe tricolor no Nacional deste ano, que começa para o clube do Morumbi nesta segunda-feira (10), contra o Cruzeiro, às 19h (com transmissão pelo Twitter), em Belo Horizonte.
Leia mais:
'Convivo desde que nasci', diz Vinicius Jr. ao minimizar pressão
Série C de 2025 vai ter quatro paulistas e oito clubes do Nordeste
Neymar compra cobertura de luxo em Dubai por R$ 314 milhões
Endrick se surpreende ao saber que seu nome está na moda
Por trás do momento positivo e do sorriso fácil, há uma história forte de resiliência e adaptação, principalmente ao seu corpo, que sofreu transformações após uma luta contra a depressão quando tinha 19 anos.
Criada no Iguatemi, bairro da zona leste de São Paulo, Glaucia teve um início no futebol como quase todas as outras meninas de sua geração. Seu primeiro contato com bola foi na rua, jogando entre os meninos, uma realidade que sua mãe, Vera, custou a aceitar.
"Eu acordava às 7h porque queria jogar com os meninos. Minha mãe não deixava, trancava a porta [do quarto]. 'Você não vai, só tem homem', e eu saía escondido, dava um jeito. No começo foi bem difícil para ela entender que futebol também era coisa de mulher", diz a jogadora.
Goleira de handebol na escola, Glaucia fez um teste no São Bernardo. Chegando no local, descobriu que lá havia também uma escolinha de futebol e resolveu tentar a sorte. Nunca mais voltou a agarrar a bola com as mãos.
Ela se formou nas categorias de base do clube do ABC paulista até chegar no profissional da equipe. Atacante de velocidade e imposição física, atuava como ponta no início da carreira e, em 2011, foi vice-campeã paulista pelo Centro Olímpico, marcando 24 gols no torneio.
Na temporada seguinte, com 19 anos, se transferiu para o Jeonbuk, da Coreia do Sul. O que era para ser uma experiência de crescimento financeiro e técnico acabou se tornando o período mais difícil da vida de Glaucia, que precisou reaprender seu papel como jogadora depois da depressão.
"Infelizmente, lá na Coreia, existe um preconceito quando você engorda. Ao invés de ajudar, eles mostram que você é diferente. Lá eu me sentia uma máquina de trabalho, não uma pessoa que pode ter altos e baixos", conta a são-paulina.
Ela chegou ao país com 10% de índice de gordura. "Era bem magra, bem forte. Só que, com a falta de adaptação, eu não conseguia dormir, dormia duas horas por dia. E comia muito mal. Enquanto estava acordada à noite, eu comia", relembra. "Eles vinham bater na porta para eu treinar, e eu não queria nem olhar para eles. Todos lá são muito magros, se você engorda um pouco, vira piada."
Glaucia percebeu que estava em depressão quando passou a chorar todos os dias. Sem vontade de treinar, pediu ao presidente do clube que a liberasse, abrindo mão dos salários que restavam em contrato. Só conseguiu retornar ao Brasil em 2013, com o fim do vínculo.
A partir da passagem ruim pelo Jeonbuk, a atacante passou a fazer acompanhamento psicológico. Em campo, o ganho de peso forçou Glaucia a uma readaptação de seu jogo. Com menos velocidade do que antes, agregou ao seu repertório o drible curto e os tiros de curta distância. Mais forte, também começou a utilizar seu corpo para levar vantagem no embate físico contra as zagueiras.
Essa redescoberta teve seus percalços no início do processo. Após nova passagem pelo Centro Olímpico e depois pelo São Caetano, a atleta fechou com o São José. Em seu quarto jogo com a equipe, lesionou o ligamento cruzado anterior do joelho direito, o que a tirou de toda a temporada.
Recuperada, ganhou nova oportunidade no futebol da Coreia, desta vez pelo Red Angels. O intuito era dar a volta por cima, mas isso não aconteceu.
Após jogar pouco no clube coreano em 2015, retornou ao país no ano seguinte, de novo para o São José. Em abril de 2016, mesmo mês de sua lesão de ligamento no joelho esquerdo dois anos antes, Glaucia lesionou o mesmo ligamento (cruzado anterior), agora do joelho direito.
Depois de um segundo processo longo de recuperação e passagens por Iranduba e Sport, recebeu uma proposta do exterior. O país? Novamente a Coreia do Sul. Na nova casa, o KSPO, a atacante conseguiu reescrever, na base da insistência, a história que tinha deixado para trás no país asiático.
"O que me deixou mais feliz foi ter duas passagens ruins [pela Coreia] e que um terceiro time tenha ido me procurar. Ver o quanto eles acreditavam no meu trabalho fez com que meu rendimento fosse melhor do que eu imaginava", diz Glaucia, semifinalista com o KSPO e terceira melhor artilheira da liga coreana.
Para a temporada de 2019, a então técnica do Santos, Emily Lima, pediu a sua contratação. A jogadora conta que recebeu mensagens de torcedores que a criticavam por seu peso.
Sua resposta veio em campo. No clube da Vila Belmiro, em uma temporada livre de lesões, anotou 19 gols em 32 partidas, 14 deles só no Brasileiro.
Agora no São Paulo, que perdeu Cristiane para o Santos, Glaucia traz todas as suas experiências para a caminhada do clube do Morumbi na elite nacional após conseguir o acesso, como campeão da Série B, em 2019.
"Aprendi a entender o futebol. Foi um aprendizado, principalmente a depressão. Fez com que eu me fortalecesse bastante, não deixar me ofender se as pessoas rirem. Hoje eu já me sinto melhor e acabo não levando essas coisas mais a sério", finaliza.