A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Futebol suspeita que o Comitê Organizador Local (COL) da Copa do Mundo de 2014 tenha desviado recursos de empréstimos feitos pela Fifa para a organização do Mundial no Brasil.
Informações obtidas com exclusividade pela reportagem do jornal O Estado de S. Paulo revelam uma disparidade nas contas declaradas do COL e os valores obtidos depois da quebra do sigilo bancário do comitê pela CPI. Os senadores da CPI do Futebol vão convocar o presidente licenciado da CBF, Marco Polo Del Nero, para depor mais uma vez em Brasília.
O que chama a atenção da CPI é um empréstimo da Fifa para o COL de US$ 66,7 milhões. Destes, US$ 43 milhões foram devolvidos à entidade máxima do futebol mundial, mas US$ 23,7 milhões foram parar em uma conta do Banco Itaú, nos EUA, sem maiores explicações por parte do COL.
Segundo o material preparado pela CPI, a partir de dados do Banco Central (BC), o COL recebeu entre 2009 e 2012 cerca de US$ 66,7 milhões da Fifa. Os US$ 23,7 milhões foram destinados pelo COL para uma conta do Itaú nos EUA no dia 6 de fevereiro de 2013, em quatro depósitos. No registro do BC, os depósitos aparecem apenas como "empréstimos diretos".
O COL foi criado com a função de organizar o Mundial e teve como presidentes Ricardo Teixeira e José Maria Marin. Numa última fase a partir de abril de 2015, ela foi liderada por Marco Polo Del Nero.
A CPI vai enviar neste domingo à Fifa um dossiê para que o suposto desvio seja apurado pela auditoria da entidade máxima do futebol. A suspeita é de que também pessoas ligadas à Fifa estejam envolvidas, já que o desvio de milhões de dólares dificilmente poderia ocorrer sem o conhecimento de cartolas em Zurique. Membros do alto escalão da Fifa informaram à reportagem que não reconhecem os pagamentos e dizem que a entidade não tem contas nem nos EUA e nem em paraísos fiscais.
O principal objetivo da investigação da CPI, no momento, é saber quem é o beneficiário desta conta nos EUA. A CPI fez requerimento na quarta-feira ao Banco Itaú exigindo os dados bancários desta conta e concedeu prazo de cinco dias úteis para a resposta. A auditoria da Fifa ainda vai examinar os documentos para tentar entender qual seria o motivo do pagamento.
DISPARIDADES - Também foram encontradas disparidades em outros itens. O Balanço Patrimonial do COL oferecido pelo órgão no âmbito da CPI do Futebol demonstra que a Fifa repassou R$ 55 milhões para o COL em 2012. Já a quebra de sigilo bancário do COL demonstra que, em 2012, a Fifa fez três transações para o COL, totalizando R$ 105 milhões.
Há, portanto, uma diferença de R$ 50 milhões entre o que aponta o Balanço Patrimonial oferecido pelo COL e o que demonstra a quebra de sigilo informada pelo Banco Central.
O mesmo documento do BC informa que os R$ 50 milhões equivaleriam a US$ 24.104.517,19, ao câmbio de 2012. O valor, segundo a CPI, é muito próximo dos US$ 23,750 milhões que faltaram em pagamento à FIFA e que foram transferidos para conta desconhecida nos EUA.
Entre 2012 e 2015, a Fifa na Suíça transferiu ao COL um total de R$ 1 bilhão. Mesmo com um valor pequeno, chamou atenção da CPI um depósito de R$ 51 mil, sem informar o beneficiário, também na agência do Itaú nas Ilhas Canárias. Em outra investigação, a CPI descobriu e-mails de Del Nero para um de seus filhos indicando, em 2007, uma conta no HSBC de Miami. O cartola sugere falar com a gerente Margarida Coutinho sobre o saldo da conta e opções para abrir um negócio.
As informações foram encontradas em um notebook de Del Nero, com 27,5 mil e-mails registrados. A Justiça havia confiscado o material em 2012, durante a Operação Durkheim. Agora, esses dados chegaram até a CPI do Futebol, que os analisou e encontrou as movimentações suspeitas.
Os senadores, agora, avaliam apontar para falsidade de testemunho por parte do presidente licenciado da CBF. Em dezembro, ele garantiu à CPI que não tinha contas no exterior.
COL DIZ ESTAR DENTRO DA LEI - O COL garante que suas contas estão dentro da lei, nega que tenha contas nos EUA e insiste que os dados divulgados pela CPI do Futebol são "falsos".
"Inicialmente é importante esclarecer que o COL é uma empresa privada e que jamais recebeu qualquer verba pública", indicou a entidade, em um comunicado. "Seus balanços e demonstrações financeiras foram devidamente auditados por empresas especializadas de alto renome", diz o COL em nota.
Sobre os valores pagos pelo COL para a FIFA, a explicação é que eles "decorreram do pagamento de empréstimos feitos pela FIFA ao COL, todos para viabilizar o início da operação deste, sendo certo que já foram integralmente quitados".
Sobre as transferências ao exterior, o COL diz que jamais teve conta no Itaú nos EUA: "O COL esclarece, ainda, que é absolutamente falsa a informação de que mantinha conta corrente no Banco Itaú nos Estados Unidos, o que já foi, inclusive, atestado pelo próprio banco nesta data. O COL jamais manteve qualquer conta bancária no exterior". O COL ainda chama de "especulação" o pagamento para conta nas Ilhas Canárias. De qualquer forma, "a relação de todos estes pagamentos será devidamente apresentada para a CPI", garantiu.