Eliminatórias
Vários fatores entram na investigação de casos de manipulação de partidas de futebol para ganho ilícito em sites de apostas, conhecidos como "bets". Mas o gatilho para a denúncia e a subsequente análise geralmente é um alerta emitido por algum serviço de integridade de apostas, executado por empresas de monitoramento do setor.
Esse serviço pode ser contratado por confederações esportivas e pelas próprias "bets". Recentemente, o Ministério da Fazenda firmou parceria com quatro instituições especializadas em fazer varreduras no mercado e indicar apostas suspeitas.
De acordo com Mariana Chamelette, vice-presidente do TJD-SP (Tribunal de Justiça Desportiva do futebol de São Paulo), os relatórios que atestam a possibilidade de fraude "têm precisão similar à do passaporte biológico, usado no teste antidoping". Ou seja, diz ela, têm alto nível de confiabilidade.
Quando essas denúncias chegam à Justiça criminal, o caminho é seguir o dinheiro e identificar os apostadores, destrinchando suas relações entre si e com os atletas supostamente responsáveis pelas manipulações. Na esfera desportiva, ganha peso a análise técnica das jogadas.
A partir de cada denúncia, há uma análise técnica dos movimentos do jogador que motivou as apostas suspeitas. Se elas foram, por exemplo, para que um atleta recebesse cartão amarelo -como no caso do atacante Bruno Henrique, do Flamengo, sob investigação-, os gestos dele na parte disciplinar são observados com atenção.
No caso de um goleiro punido na quarta divisão do Campeonato Paulista, a situação era um gol, não um cartão. Uma das provas anexadas ao processo foi um vídeo da formação da barreira na cobrança de falta, com um padrão bastante atípico para aquele arqueiro. A gravação foi chave no relatório pericial que embasou a condenação.
Quando a denúncia é realizada, o magistrado do esporte geralmente convoca um ouvidor de arbitragem de futebol. Há diferentes procedimentos, mas em alguns tribunais o árbitro responsável por essa perícia não tem acesso ao relatório do monitoramento de apostas. Em São Paulo, afirma Chamelette, "ele começa o trabalho do zero e tem base só em registros dos jogos que apresentam indicativos de manipulação".
As investigações costumam demorar, já que é necessário construir uma acusação sólida antes de formalizar a denúncia. E, no caso dos tribunais esportivos estaduais, mesmo após a condenação, é possível recorrer ao STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), nacional.
Quando a ocorrência investigada é no Campeonato Brasileiro, como na situação que levou ao mandado de busca e apreensão contra o atacante Bruno Henrique, o processo na esfera desportiva já se inicia no STJD, embora haja sempre a possibilidade de recurso à última instância, o Pleno do próprio STJD.
No caso de Bruno Henrique, foi o retorno de R$ 13.850 de três operadores de apostas em um cartão amarelo contra o atleta que ligaram os alertas da Sportradar e da Ibia (International Betting Integrity Association), ambas contratadas pela Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol). A confederação continental repassou o documento à CBF (Confederação Brasileira de Futebol), que levou o caso à Justiça desportiva.
A partir daí, o trabalho do perito envolve analisar quadro a quadro os lances do jogador suspeito. Nos nove casos apreciados pela Justiça desportiva paulista desde 2020, o veredicto do técnico foi o mesmo da empresa de monitoramento.
Mas as casas de aposta gostariam de resultados mais rápidos. Advogada e consultora da ANJL (Associação Nacional de Jogos e Loterias), Ana Bárbara Costa Teixeira, avalia que o tempo de espera ainda representa um risco.
"Quando o setor de risco identifica uma operação suspeita, a bet não paga ninguém. Pelas normas da secretaria, teremos de abrir um processo de apuração", afirmou Teixeira.
Outro gargalo notado pelo setor é que "bets" menores, por uma questão de custo, deixam de contratar os serviços de detecção de fraudes esportivas, que podem passar despercebidas.
Embora parte do prejuízo financeiro da manipulação de resultados recaia sobre as casas de apostas, o Ministério Público de Goiás, responsável pela Operação Penalidade Máxima contra fraudes em partidas de futebol, afirma que houve uma omissão dos sites que não as denunciaram. Foi a denúncia do presidente do clube goiano Vila Nova, Hugo Jorge Bravo, que iniciou a maior operação recente contra fraudes no esporte.
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