No dia 26 de dezembro de 2014, a lanterna do Campeonato Inglês, tido por muitos como ‘o mais difícil’ torneio doméstico do mundo, era ocupada pelo modesto Leicester City. Nenhuma surpresa, afinal o time havia sido recém-promovido à elite. Um ano se passou desde então e a liderança da competição não é mais composta pelos poderosos Manchester City, Chelsea, Arsenal ou Manchester United. Acredite: a liga mais rica do mundo é encabeçada pelo próprio Leicester, que está se transformando na maior surpresa do futebol europeu nesta temporada.
Apesar dos 131 anos de história, o Leicester é considerado um time de média expressão na Inglaterra. Sediado na cidade de mesmo nome, que fica na zona central do país (a 143 km de Londres), o clube é conhecido pelo apelido The Foxes (As Raposas) por conta da região, que era conhecida pela caça em larga escala ao animal no século 19. Atualmente, a cidade abriga pouco menos de 300 mil dos 53 milhões de habitantes do país.
Após se safar do rebaixamento na última temporada, terminando em 14.º lugar, o Leicester veio para a atual edição do Campeonato Inglês com o mesmo objetivo. Desde então, passaram-se 18 partidas. Foram incríveis 11 vitórias, cinco empates e apenas duas derrotas, a última delas sofrida no último sábado, para o Liverpool. Mesmo assim, o time segue na liderança isolada do Inglês, com 38 pontos. De quebra, a equipe ainda tem o melhor ataque (37 gols) e a melhor campanha como visitante desta primeira metade da temporada. Existem dúvidas sobre a capacidade do Leicester de manter a atual forma, porém, mesmo que o título não venha, já é possível dizer que a campanha do time é histórica.
Desde que o Campeonato Inglês se transformou na Premier League, em 1992, apenas cinco clubes levantaram a taça: Manchester United, Arsenal, Chelsea, Manchester City e Blackburn Rovers. Este último é considerado o único azarão, apesar do bom time que foi montado para a temporada do título, em 1994/1995. Desta forma, o Leicester busca quebrar um tabu de 21 anos sem títulos de clubes fora do eixo Londres-Manchester. A favor do Leicester, conta o fato de que, dos últimos seis times que passaram o Natal na ponta do campeonato, cinco terminaram campeões.
HISTÓRIA - O Leicester City foi fundado em 1884, por um grupo de alunos da escola Wyggeston. Seu primeiro nome foi Leicester Fosse, pelo fato de jogar em um campo nas proximidades da Fosse Road. Até a entrada na Football Association, em 1890, o time mandou seus jogos semiprofissionais em três estádios diferentes até a mudança para Filbert Street, local que recebeu as partidas do Leicester até o ano de 2002. Naquele ano, o moderno Filbert Way terminou de ser construído. Hoje, o estádio leva o nome da patrocinadora do clube: King Power Stadium. Com capacidade para 32.500 pessoas, recebe até mesmo jogos da seleção inglesa.
A temporada de 1908/1909 foi a primeira do clube na elite, mas não reserva boas lembranças. Afinal, naquele ano, o time foi novamente rebaixado e ainda sofreu a maior derrota da história da competição: 12 a 0. Para piorar, os algozes foram o Nottingham Forest, rival histórico junto com o Derby County e o Conventry City.
O primeiro título só veio em 1925, quando o time foi campeão da segunda divisão. A equipe, que passeou pelas diversas divisões da Inglaterra durante sua vida, ainda repetiu este feito mais seis vezes (a última em 2013/2014). Em 2008/2009, chegou a ser campeão da terceira divisão. Porém, a maior glória em 131 anos foi a conquista da Copa da Liga Inglesa por três vezes. A primeira veio em 1963. A façanha foi repetida em 1997 e 2000.
Agora, 16 anos após a conquista do último título, o Leicester vai atrás do grande feito de sua história. Se conseguirem, pelo menos, repetir a campanha do primeiro turno, as Raposas terão chances bem reais de escrever a história e conquistar o maior campeonato nacional em sua época mais competitiva.
ARTILHEIROS BRILHAM - Esqueça Rooney, Aguero, Sanchez ou Diego Costa. A corrida pela artilharia no Inglês está sendo disputada por Jamie Vardy (15) e Riyad Mahrez (13). A dupla do Leicester, que está sendo a sensação da temporada, foi comprada por um total de 1,350 milhão de libras (R$ 7.934.287). O valor é irrisório se comparado com as cifras astronômicas gastas pelos gigantes ingleses nas janelas de transferências. Só o Manchester City gastou cerca de R$ 816 milhões nas contratações apenas de Sterling e De Bruyne.
O argelino Riyad Mahrez, de 24 anos, chegou ao Leicester em janeiro de 2014, por 350 mil libras, após se destacar no pequeno Le Havre, da segunda divisão francesa. O canhoto também fez parte do elenco de sua seleção na Copa de 2014.
Se uma das apostas das Raposas fazia sucesso no segundo escalão da França há duas temporadas, a outra estava brilhando na quinta divisão inglesa. O inglês Jamie Vardy se destacou em 2012 ao marcar 31 gols pelo modesto Fleetwood Town FC e foi contratado no mesmo ano por 1 milhão de libras (R$ 5,77 milhões).
De lá para cá, o atacante de 28 anos vive um conto de fadas. Vardy bateu o recorde de gols marcados consecutivamente na primeira divisão, ao anotar em 11 jogos seguidos. O feito pertencia ao holandês Ruud van Nistelrooy, que balançou as redes 10 vezes em 10 jogos, pelo Manchester United, em 2003. De quebra, ele também foi lembrado por Roy Hodgson para defender a Inglaterra pela primeira vez. Nesta temporada Vardy e Mahrez já somam 28 gols, mais do que 15 equipes do Inglês.
INVESTIMENTO - Se a atual posição do Leicester no Campeonato Inglês surpreende muita gente, pelo menos uma pessoa realmente acreditou no time. Trata-se de Vichai Srivaddhanaprabha, tailandês que adquiriu o clube em 2010. Logo após a conquista do título da segunda divisão na temporada 2013/2014, Vichai anunciou que investiria cerca de 180 milhões libras (R$ 1,057 bilhão) no clube para que, em até três anos, os Foxes terminassem entre os cinco primeiros colocados da elite inglesa.
"Estou pedindo três anos, e nós estaremos lá. Não desafiaremos os cinco melhores times imediatamente. Nós temos uma chance de batê-los? Sim, temos, mas acredito que precisamos estabilizar a nossa presença na liga primeiro e para depois pensarmos no próximo passo", afirmou Srivaddhanaprabha em maio de 2014.
Porém, nem mesmo o tailandês esperava uma ascensão tão grande em tão pouco tempo. Afinal, para a atual temporada, o dono do clube ofereceu 100 mil libras (R$ 587 mil) para o técnico Claudio Ranieri por cada posição que o Leicester terminasse acima da zona de rebaixamento. Ranieri já passou por clubes como Roma, Inter de Milão, Juventus e Chelsea, mas nunca conseguiu conquistar uma liga nacional. Por isso, o treinador é considerado mais um dos ‘azarões’ do clube.
Caso a equipe confirme a liderança até o final da competição e conquiste o Campeonato Inglês, Ranieri teria direito a receber 1,7 milhão de libras (R$ 9,9 milhões) pelas 17 colocações acima da zona de descenso.
Valor irrisório para o tailandês Vichai Srivaddhanaprabha. Ele possui um patrimônio estimado em 2 bilhões de dólares (cerca de R$ 7,8 bilhões) e é CEO da King Power International Group, empresa sediada em Bangcoc e especializada nas populares ‘Free-Shops’, lojas que vendem produtos ausentes de impostos, encontradas principalmente em aeroportos ou grandes embarcações. Em 2009, a companhia se viu imersa em um grande escândalo ao ser acusada de estar envolvida em uma quadrilha de extorsão de turistas no aeroporto de em Bangcoc.
ROCK EMBALA EQUIPE - Assim como as cidades de Liverpool, com os Beatles, e de Manchester, com o Oasis, Leicester também é movida ao som de uma banda de rock: o Kasabian. Em dezembro de 2015, pode-se dizer que a banda já é uma das maiores do mundo e o grupo ainda pode ter a felicidade de compartilhar o sucesso mundial com o clube de coração: justamente o Leicester City. Eles frequentam os estádios para acompanhar o time desde a adolescência e continuam aparecendo mesmo depois da fama.
Antes da estreia na atual temporada, contra o Sunderland, em casa, o técnico Claudio Ranieri inovou ao colocar os jogadores do Leicester em campo sob o som da música "Fire", do Kasabian, nos alto-falantes do estádio. Os jogadores absorveram o espírito, venceram por 4 a 2 e, desde então, não pararam mais.
A cada vez que a equipe balança as redes, os torcedores voltam a entoar o hit 'Fire' no King Power Stadium. A música acabou se tornando a trilha sonora da grande campanha do Leicester, que, ao lado do Kasabian, vêm colocando a pacata cidade inglesa no mapa da música e, claro, do futebol.