Não é fácil transformar o ator Henry Cavill, 38, em um bruxo. "Da hora que eu chego com a roupa que coloquei para ir ao trabalho até estar completamente pronto para entrar no set, eu diria que leva umas duas horas, duas horas e meia... Até três horas", conta ele em entrevista à Folha de S.Paulo.
No entanto, a transformação em Geralt de Rivia, protagonista de cabelos loiríssimos e olhos amarelados da série "The Witcher", já vai colocando o ator no clima do personagem. "As pessoas que trabalham na caracterização são extraordinárias, faz muita diferença poder confiar neles e ver a mágica acontecendo todas as manhãs", comenta.
A segunda temporada, que sofreu com uma série de paralisações das gravações durante a pandemia, chega nesta sexta-feira (17) à Netflix, dois anos após a estreia da primeira -uma terceira leva de episódios já foi confirmada. A trama deriva de uma série de livros do polonês Andrzej Sapkowski, que também deu origem a jogos de videogame de sucesso.
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Nesta segunda leva de episódios, o personagem promete mostrar mais nuances do que na primeira. "Eu fiz uma campanha forte para que trouxéssemos alguns aspectos dos livros para a série, de modo que tivéssemos um melhor entendimento que quem é o personagem", afirma o intérprete.
"Ele não é alguém bidimensional, que é vagamente engraçado, usa muitos palavrões e grunhe o tempo todo", avalia. "Desta vez, vemos muito mais de sua capacidade de amar e entender o outro."
Ele exemplifica com a relação de "paizão" que Geralt desenvolve com Cirilla (Freya Allan). A princípio a contragosto, o caçador de monstros com poderes paranormais ficou responsável pela princesa após o reino dela, Cintra, ser dominado. Os dois passaram toda a primeira temporada tentando se encontrar, mas isso só ocorreu no último episódio.
"Ela passou por uma experiência traumática e nós vemos ele se aproximar dela de forma gentil e suave", comenta Cavill. "Ele tem vasta experiência em situações traumáticas, tem um entendimento disso, então dá muito espaço para ela."
Para o ator, são esses pequenos momentos que nos permitem entender o personagem mais profundamente. "Ele passou por poucas e boas, o fato de ele não demonstrar não significa que ele não sente", explica.
A criadora, roteirista e produtora executiva da série, Lauren Schmidt Hissrich, afirma que, de fato, a segunda temporada mostra um Geralt mais "aberto e vulnerável". "Ele está falando mais abertamente sobre suas emoções, é uma mudança e tanto para ele", afirma.
"Na primeira temporada, quisemos ter certeza de que o público entenderia o lado obscuro do personagem", compara. "Agora o vemos interagindo com outras pessoas e como ele caminha pela vida. Antes, tinha uma coisa de ele não precisar de ninguém, de poder fazer tudo sozinho. Agora ele tem uma jovem para proteger, isso muda tudo."
Cavill diz que Ciri é de fato uma filha para Geralt. "A conexão como pai é imediata", afirma. "Ele quer ser a pessoa que se assegura de que ela esteja sempre protegida."
No entanto, Freya Allan, 20, comenta que isso vai causar alguns embates -como em qualquer família. "Eles passam a temporada toda tentando construir uma confiança mútua, mas o fato é que eles têm desejos diferentes", avisa a atriz. "Ciri quer virar uma bruxa, mas isso não se alinha com o que o Geralt quer. Tem uma fricção que é resultado disso."
Apesar de ela gradualmente ir se abrindo para Geralt, Ciri não revela de cara como conseguiu escapar das tropas inimigas de Nilfgaard -ela está descobrindo que tem poderes mágicos, mas ainda não os entende completamente.
"Acho que, para ela, é uma dessas coisas que, se você não falar, não existe", comenta Allan. "É algo que é aterrorizante para ela, e sob o qual ainda não tem controle. Ela ainda tem muitas perguntas sobre o que aconteceu, o que torna tudo muito pouco familiar para ela. Ciri está questionando a própria identidade, de onde ela vez e até mesmo sua humanidade."
Eventualmente, os dois concordam que ela deve saber se defender sozinha. "Ele a coloca em um treinamento rigoroso para se assegurar de que ela tenha a habilidade de sobreviver", adianta Cavill. "O interessante nisso é que ele precisa pedir ajuda a outras pessoas, o que é pouco usual para ele."
Freya Allan comemora ter podido começar uma nova jornada com a personagem. Para a série, a atriz já começou a treinar coreografias de luta com sua dublê. "Eu pessoalmente queria muito lutar logo contra todos os monstros, mas ainda não pude porque temos que deixar algo para as próximas temporadas -e também porque não é tão rápido assim que alguém se torna um ótimo guerreiro", diz.
Outro momento em que Geralt mostra vulnerabilidade é no relacionamento com Yenneffer (Anya Chalotra), que ele acredita estar morta. "Isso é um golpe muito grande para ele", avalia Cavill. "Ele quer ter certeza de que isso não atrapalhe a habilidade dele, mas a ideia de ter perdido alguém que ele amava não ajuda."
A personagem, como é mostrado no trailer, na verdade não morreu, então os fãs do casal podem ansiar por um reencontro em algum momento da temporada. "Não vai ser o romance bacana que todo mundo espera, porque Geralt e Yennefer ainda têm um longo caminho a percorrer", diz a criadora.
"Vamos continuar fiéis aos livros, trazendo a Yennefer para treinar a Ciri", adianta sobre tramas que inclusive devem se desenvolver em temporadas futuras. "Porém, ele não vai estar disponível ali naquele momento. Não é algo do tipo os três felizes para sempre. Nós falamos muito sobre a dinâmica desse relacionamento, que vai ser de idas e vindas por um tempo, mas prometo que não vai ser sempre tão desolador [risos]."
Ainda sobre a nova temporada, Hissrich também comenta que ela terá uma linha temporal mais linear –os acontecimentos da primeira temporada ocorriam em tempos diferentes, o que causou alguma confusão entre o público.
"Sempre soubemos o que queríamos contar na segunda temporada, então sabíamos que, quando as histórias desses personagens se encontrassem, precisaríamos estar na mesma linha de tempo, com todos ao mesmo tempo no mesmo local", explica. "Foi algo que ocorreu organicamente, mas acho que o público vai ter mais facilidade desta vez."
Família
Além do lado "paizão", Geralt de Rivia também vai ser mostrado em outras situações que exploram seu lado família. Para proteger Ciri, o guerreiro a leva para Kaer Morhen, onde foi criado. Lá, reencontra Vesemir (Kim Bodnia), que é como um pai para ele, além de alguns de seus "irmãos".
"Geralt relembrando sua infância em Kaer Morhen é provavelmente a parte dos livros que eu estava mais animada para levar para as telas", afirma Hissrich. "Vamos poder conhecer as pessoas que fizeram ele ser quem é. Eu sempre penso em quando você conhece uma pessoa e, depois de um tempo, conhece os familiares. Sempre tem um lado completamente diferente que você ainda não tinha descoberto."
A criadora conta que foi um pedido de Henry Cavill que os laços de irmandade entre Geralt e seus pares fossem reforçados. "Ele pediu que nós mostrássemos a amizade entre homens de uma forma positiva, já que é algo que nem sempre aparece nos filmes e séries", diz. "Não falamos muito desses círculos de amigos homens."
Intérprete da pessoa que Geralt vê como um pai, Kim Bodnia, 56, diz que entrou na série com uma função. "A razão pela qual a Lauren [Schmidt Hissrich] e o Henry [Cavill] quiseram embarcar nessa jornada junto com o público é mostrar o que há por detrás desse lobo solitário que era o Geralt", avalia. "Nessa viagem emocional, a família se tornou muito importante."
Outro personagem que aparece, já no primeiro episódio da segunda temporada, é um amigo de juventude de Geralt, Nivellen, um aristocrata que foi amaldiçoado e ficou com a aparência de um monstro. O personagem é vivido pelo norueguês Kristofer Hivju, 43, com o auxílio de efeitos especiais.
"Foi um processo longo porque precisamos fazer uma escultura do meu corpo inteiro, em cima da qual a imagem dele foi feita", explica. "Na gravação, eu vestia uma espécie de macacão com todo o corpo do personagem, que eu tratava como se fosse uma marionete. Eu tinha que fazer o traje atuar."
Além disso, o rosto do personagem foi inserido na pós-produção, por cima do dele. "Tínhamos uma câmera capturando todos os meus movimentos e expressões faciais, que depois foram usados para fazer os efeitos especiais", conta.
Também conhecido como o Tormund de "Game of Thrones", o ator diz que aprendeu a lidar bem com os fãs de sagas como essa, que sempre criam muitas expectativas sobre como certas coisas serão adaptadas para a tela.
"Todo personagem tem um âmago, que está nas descrições dos livros e na imaginação dos leitores", diz. "O que você precisa é achar esse núcleo central, aquela essência que os fãs amam. Eu não me sinto pressionado, tento ouvir o que os fãs dizem, mas trato como um desafio."