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Tecnologia para versos e música

05 jul 2001 às 10:21

Quando o poeta Ricardo Corona entrar hoje (quinta-feira, dia 5) no palco redondo do Teatro Paiol, em Curitiba, estará revivendo uma tradição que precede a linguagem escrita. Dentro todas as artes, a oralidade, talvez, só perca para as artes plásticas em antigüidade. A "literatura" oral deve ter surgido junto com os primeiros grunhidos acompanhados da expressão corporal necessária para contar uma história verdadeira ou inventada da nova trupe humana reunida em alguma caverna africana.

O que se verá e ouvirá no Paiol é uma reunião da tecnologia com a tradição. Corona estará lançando um CD de poesia, chamado "Ladrão de Fogo", que inicia a coleção "Poesia para ouvir", a ser lançada pela Medusa Edições, de Curitiba. Haverá a participação dos músicos Grace Torres (voz, teclado e piano), Rogéria Holtz (voz), Ângelo Esmanhoto (sarod e tampura), Gilson Fukushima (guitarra), Ulisses Galeto (baixo) e Ana Rosa (interferência cênica).


A literatura sempre foi amiga da tecnologia e o que seria do mundo hoje se não fosse a prensa de Gutemberg. O hábito de se gravar poemas vem desde que se conseguiu gravar algum som. Os poetas internacionais se aventuraram pelas gravações e no Brasil não foi diferente. Manuel Bandeira, Drumond, Vinícius, Ferreira Gulart e muitos outros puderam registrar suas próprias vozes recitando os poemas que escreveram.


Juntar poesia e música também não é de hoje, que o digam os antigos sarais literários. Mas os beatniks que se juntaram ao jazz faziam verdadeiros "happenings" literário-musicais pelos bares norte-americanos da vida, regados a muita substância química. Buscaram ressurgir a poesia literária oral de grandes poetas, alguns malditos. Registros dão conta que os russos foram particularmente bons nisso e que assistir, por exemplo, a uma intervenção poética de Maiakowski, com suas camisas coloridas e o grupo de loucos futuristas era algo para nunca mais se esquecer.


Pois Ricardo Corona entrará hoje no palco redondo do Teatro Paiol trazendo toda essa bagagem cultural da poesia oral. Ele mesmo já fez outras interferências de poesia oral em Curitiba, algumas sob o som do The Doors - só para lembrar que acabam de se completar 30 anos da morte de Jim Morrison. Ele deve ter ouvido em Curitiba o "bardo" Cardoso, com seu indefectível "Rio Marumby", que ele recitava para toda a flora e a fauna boêmia da cidade, que ia de doutores a analfabetos.


"Ladrão de Fogo", o CD, recupera isso tudo e avança pela linguagem sonora misturando os versos a uma elaborada Trilha Musical - se é que se pode definir assim esse casamento poético-sonoro. Com a participação decisiva da produtora e música Grace Torres, Corona encontrou o tom ideal para sua performance. Ruídos, inserções de trechos musicais sampleados e até mesmo poemas que viraram canções recheiam o disco. A linguagem é multifacetada, acompanhando o estilo dos versos do poeta.


O disco tem a participação, além da própria Grace Torres, dos músicos Vitor Ramil, Neuza Pinheiro, Ângelo Esmanhotto, Gilson Fukushima, entre outros. O material poético traz importantes inspirações que vão do catarinense Cruz e Souza e seu simbolismo, à artista popular Jardelina da Silva, de Bela Vista do Paraíso e sua arte livre.


Os poemas são como clipes musicais, em uma linguagem fragmentada, que, ao mesmo tempo, remete à polifania de Cruz e Souza. Vejam esse início de "ventos e uma alucinação": sol tórrido no/ aljazar// (lascas de zinco refletindo)// sol batendo/ no sal// das costas/ do homem na barcaça - e deu-se à estampa// (um sopro quente passa)// um caligrama na asa/ do anjo/ aprendiz da chuva...".


Ou, na parceria musical com Ângelo Esmanhoto, que recebeu o título de "Música": ": à procura dos teus buracos/ : em cada fracta contra o fragmento/ : no oco do caos na casa/ : à procura de silêncio/ : saindo dos teus buracos".
As imagens estão sempre presentes e, falando em presente, o tempo também é um tema recorrente que o poeta descreve como sendo a "máquina/ que imprime/ a ruga", no haicai Tempo. Ou "hoje mais longínquos/ lembram / ontens ancestrais", na continuação do poema "ventos e uma alucinação".


Ou ainda: "Ter a alma durando no tempo/ Durando como duram as dunas/ As dores levadas pelo vento/ nenhuma dor durando inteira/ Como as pedras duras/ Um dia acordam dunas", em "Ter a alma durando no tempo", numa parceria musical com Luciano Galbiati, Ângelo Galbiati e Neuza Pinheiro.


O CD "ladrão de fogo" é um passo interessante e bem cuidado tanto na parte literária, quanto na musical e na arte gráfica. Não se resume a um recitar acompanhado de um fundo musical, nem foi viajar ao hermetismo de colocar palavras encobertas por ruídos incompreensíveis. Ricardo Corona e Grace Torres, além dos outros parceiros, conseguiram um equilíbrio muito bom entre palavra e som, literatura e música. É o que está no CD e é o que se espera hoje, no palco redondo do Teatro Paiol.

SERVIÇO: Lançamento do CD "Ladrão de Fogo", com poemas de Ricardo Corona. Teatro Paiol, dia 5 de julho, às 21 horas. Ingressos a R$ 3,00 (estudante a R$ 1,50).


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